sábado, 6 de julho de 2019

Lectio Vicentina: Perseverança na vocação



Conferência de 29 de outubro de 1638[1]

Foi Deus quem nos chamou e quem, desde toda a eternidade, nos destinou para ser missionários, não nos havendo feito nascer nem cem anos antes, nem cem anos depois, mas precisamente no tempo da instituição desta obra. Por conseguinte, não devemos buscar, nem esperar repouso, contentamento e bênçãos em outro lugar a não ser na Missão, já que é lá que Deus nos quer, assegurando-nos de que nossa vocação é boa e que não está fundada sobre o interesse, nem sobre o desejo de evitar os desconfortos da vida, nem mesmo sobre qualquer outro aspecto humano.

Nós somos os primeiros chamados. Diz-se que os primeiros de uma congregação são aqueles que entram nela durante o primeiro século de sua fundação, que é ordinariamente de cem anos. Visto que nós somos os primeiros escolhidos para reconduzir ao redil as ovelhas extraviadas, se nós fugirmos, o que será delas? Para onde pensamos fugir? Quo ibo a spiritu tuo et quo a facie tua fugiam [Para onde irei, longe do teu espírito; para onde fugirei, longe de tua face] (Sl 138, 7). Se um rei tivesse escolhido alguns soldados entre os outros para dar os primeiros assaltos, essa honra não seria para eles um poderoso motivo para fazê-los desistir de fugir?

Nesta vocação, vivemos em conformidade com Nosso Senhor Jesus Cristo que, ao vir ao mundo, escolheu como tarefa principal a de assistir os pobres e ocupar-se do bem estar deles. Misit me evangelizare pauperibus (Lc 4, 18). E se se pergunta a Nosso Senhor: “Que viestes fazer na terra?” – “Assistir os pobres” – “Algo mais?” – “Assistir os pobres”, etc. Ora, ele não tinha em sua companhia senão os pobres e pouco se detinha nas cidades, conversando quase sempre com os camponeses e instruindo-os. Assim, não nos sentimos felizes por estar na Missão pelo mesmo fim que levou Deus a fazer-se homem? E, se pudéssemos interrogar um missionário, não seria para ele uma grande honra poder dizer com Nosso Senhor: Misit me evangelizare pauperibus? É para catequizar, instruir, confessar, assistir os pobres que estou aqui. Ora, o que é que supõe esta conformidade com Nosso Senhor, senão a predestinação? Nam quos praescivit et praedestinavit conformes fieri imaginis Filii sui [Aqueles que Deus antecipadamente conheceu, também os predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho] (Rm 8, 9). Se abandonamos nossa vocação, há motivo para recear que é a carne ou o diabo que nos afasta dela. Nós vamos obedecer-lhes? Porquanto, visto que foi Deus quem nos chamou, não será ele que nos afastará dessa vida. Deus não se contradiz. Entretanto, não sabemos dos segredos de Deus e não queremos julgar ninguém, mas sempre diremos que essa retirada é suspeita e duvidosa.

MEIOS:
1o É preciso pedir a Deus essa confirmação ou fortalecimento em nossa vocação; trata-se de um dom de Deus. 
2o É preciso ter grande estima por nossa vocação.
3o Guardar pontualmente todos os regulamentos da casa, pois, ainda que sejam poucos, não há nenhum que não seja importante.
4o Não permitir que se fale nem contra os superiores, nem contra a maneira de agir ou de administrar a casa.
5o Viver juntos em grande caridade e cordialidade.

            Ele [Padre Vicente] acrescentou, para consolar os Irmãos coadjutores em sua vocação, que eles levavam, assim como os padres, uma vida conforme a de Nosso Senhor e que eles imitavam a vida oculta de Jesus Cristo, durante a qual se ocupou com os exercícios corporais, trabalhando na oficina de um carpinteiro e em casa como um criado; dessa forma, eles [os Irmãos] imitavam uma vida de trinta anos, enquanto os padres, em suas funções, não imitavam mais do que uma de três anos e meio; que eles honravam a vida de servo de Nosso Senhor e os padres seu sacerdócio; e, desse modo, a conformidade com Nosso Senhor se encontra numa e noutra vocação; quanto ao restante, por causa da união que existe entre os membros de um mesmo corpo, o que um membro faz é obra também dos demais. Por isso, os irmãos confessam com os confessores, pregam com os pregadores, evangelizam os pobres com os padres da Missão que os evangelizam, e, por conseguinte, estão nessa supradita conformidade com Nosso Senhor Jesus Cristo.  

Inspiração bíblica: Rm 8, 28-30; Sl 139 (138)

Para refletir:
1.        São Vicente estava convicto de que a vocação dos seus missionários era uma iniciativa amorosa de Deus. Tenho permitido que essa convicção sirva de esteio para meu itinerário humano e vocacional, encorajando-me frente aos desafios da missão? 
2.        Jesus Cristo é a fonte do dinamismo do missionário vicentino. O que significa, para mim, a conformidade com a sua pessoa e a participação em sua missão de evangelizador dos pobres, no hoje concreto de nossa história? 
3.        Sinto-me verdadeiramente inserido na vida da Congregação, a ponto de poder dizer que todos nós, na pluralidade de dons, experiências e serviços, temos um ideal comum e tomamos parte em uma mesma Missão?





[1] SV XI, 107-109.

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