Conferência de 29 de outubro de 1638[1]
Foi Deus quem nos chamou e quem, desde toda a eternidade, nos destinou
para ser missionários, não nos havendo feito nascer nem cem anos antes, nem cem
anos depois, mas precisamente no tempo da instituição desta obra. Por
conseguinte, não devemos buscar, nem esperar repouso, contentamento e bênçãos
em outro lugar a não ser na Missão, já que é lá que Deus nos quer,
assegurando-nos de que nossa vocação é boa e que não está fundada sobre o
interesse, nem sobre o desejo de evitar os desconfortos da vida, nem mesmo
sobre qualquer outro aspecto humano.
Nós somos os primeiros chamados. Diz-se que os primeiros de uma
congregação são aqueles que entram nela durante o primeiro século de sua
fundação, que é ordinariamente de cem anos. Visto que nós somos os primeiros
escolhidos para reconduzir ao redil as ovelhas extraviadas, se nós fugirmos, o
que será delas? Para onde pensamos fugir? Quo
ibo a spiritu tuo et quo a facie tua fugiam [Para onde irei, longe do teu
espírito; para onde fugirei, longe de tua face] (Sl 138, 7). Se um rei
tivesse escolhido alguns soldados entre os outros para dar os primeiros
assaltos, essa honra não seria para eles um poderoso motivo para fazê-los
desistir de fugir?
Nesta vocação, vivemos em conformidade com Nosso Senhor Jesus Cristo
que, ao vir ao mundo, escolheu como tarefa principal a de assistir os pobres e
ocupar-se do bem estar deles. Misit me
evangelizare pauperibus (Lc 4, 18). E se se pergunta a Nosso Senhor: “Que
viestes fazer na terra?” – “Assistir os pobres” – “Algo mais?” – “Assistir os
pobres”, etc. Ora, ele não tinha em sua companhia senão os pobres e pouco se
detinha nas cidades, conversando quase sempre com os camponeses e
instruindo-os. Assim, não nos sentimos felizes por estar na Missão pelo mesmo
fim que levou Deus a fazer-se homem? E, se pudéssemos interrogar um
missionário, não seria para ele uma grande honra poder dizer com Nosso Senhor: Misit me evangelizare pauperibus? É para
catequizar, instruir, confessar, assistir os pobres que estou aqui. Ora, o que
é que supõe esta conformidade com Nosso Senhor, senão a predestinação? Nam quos praescivit et praedestinavit
conformes fieri imaginis Filii sui [Aqueles que Deus antecipadamente conheceu,
também os predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho] (Rm 8, 9). Se
abandonamos nossa vocação, há motivo para recear que é a carne ou o diabo que
nos afasta dela. Nós vamos obedecer-lhes? Porquanto, visto que foi Deus quem
nos chamou, não será ele que nos afastará dessa vida. Deus não se contradiz.
Entretanto, não sabemos dos segredos de Deus e não queremos julgar ninguém, mas
sempre diremos que essa retirada é suspeita e duvidosa.
MEIOS:
1o É preciso pedir a Deus essa confirmação ou fortalecimento em nossa
vocação; trata-se de um dom de Deus.
2o É preciso ter grande estima por nossa vocação.
3o Guardar pontualmente todos os regulamentos da casa, pois, ainda que
sejam poucos, não há nenhum que não seja importante.
4o Não permitir que se fale nem contra os superiores, nem contra a maneira
de agir ou de administrar a casa.
5o Viver juntos em grande caridade e cordialidade.
Ele [Padre Vicente] acrescentou,
para consolar os Irmãos coadjutores em sua vocação, que eles levavam, assim
como os padres, uma vida conforme a de Nosso Senhor e que eles imitavam a vida
oculta de Jesus Cristo, durante a qual se ocupou com os exercícios corporais,
trabalhando na oficina de um carpinteiro e em casa como um criado; dessa forma,
eles [os Irmãos] imitavam uma vida de trinta anos, enquanto os padres, em suas
funções, não imitavam mais do que uma de três anos e meio; que eles honravam a
vida de servo de Nosso Senhor e os padres seu sacerdócio; e, desse modo, a
conformidade com Nosso Senhor se encontra numa e noutra vocação; quanto ao
restante, por causa da união que existe entre os membros de um mesmo corpo, o
que um membro faz é obra também dos demais. Por isso, os irmãos confessam com
os confessores, pregam com os pregadores, evangelizam os pobres com os padres da
Missão que os evangelizam, e, por conseguinte, estão nessa supradita
conformidade com Nosso Senhor Jesus Cristo.
Inspiração bíblica: Rm 8, 28-30; Sl 139 (138)
Para refletir:
1.
São Vicente estava convicto
de que a vocação dos seus missionários era uma iniciativa amorosa de Deus.
Tenho permitido que essa convicção sirva de esteio para meu itinerário humano e
vocacional, encorajando-me frente aos desafios da missão?
2.
Jesus Cristo é a fonte do
dinamismo do missionário vicentino. O que significa, para mim, a conformidade
com a sua pessoa e a participação em sua missão de evangelizador dos pobres, no
hoje concreto de nossa história?
3.
Sinto-me verdadeiramente
inserido na vida da Congregação, a ponto de poder dizer que todos nós, na
pluralidade de dons, experiências e serviços, temos um ideal comum e tomamos
parte em uma mesma Missão?
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