Conferência de 06 de agosto de [1656][1]
Quando vamos ver os pobres, devemos entrar em seus sentimentos para sofrer com eles e colocar-nos nas disposições daquele grande
apóstolo que dizia: Omnibus omnia factus
sum (1 Cor 9, 22), fiz-me tudo para todos; de forma que
não recaia sobre nós a queixa que fez outrora Nosso Senhor por um profeta: Sustinui qui simul mecum contristaretur, et
non fuit (Sl 68, 21), esperei para ver se alguém se compadecia de meus
sofrimentos, e não encontrei
ninguém. Para isso, é preciso empenhar-nos em enternecer
nossos corações e torná-los sensíveis aos sofrimentos e misérias do
próximo, pedindo a Deus que nos dê o verdadeiro espírito de misericórdia, que é
o espírito próprio de Deus; pois, como diz a Igreja, é próprio de Deus fazer
misericórdia e comunicar-nos
esse mesmo espírito. Peçamos, pois, a Deus, meus irmãos,
que nos dê este espírito de compaixão e de misericórdia, que nos encha dele,
que no-lo conserve, de forma que quem vir um missionário possa
dizer: “Eis aqui um homem cheio de misericórdia”. Pensemos um pouco na
necessidade que temos de misericórdia, nós que devemos exercitá-la para com os
demais e levar a misericórdia a todos os lugares, sofrendo tudo pela misericórdia.
Felizes nossos coirmãos
que estão na Polônia e que sofreram tanto durante estas últimas guerras e
durante a peste, e que ainda sofrem para exercitar a misericórdia corporal e espiritual e
para aliviar,
assistir e consolar os pobres! Felizes missionários, aos quais nem os
canhões, nem o fogo, nem as armas, nem a peste puderam fazer sair de
Varsóvia, onde os retinha a miséria dos outros; que perseveraram e ainda perseveram,
corajosamente, em meio a tantos perigos e sofrimentos, pela misericórdia! Oh! Como são
felizes por empregar tão bem este breve tempo de nossa vida na
misericórdia! Sim, este momento, porque nossa vida não é mais do que um
momento, que passa tão
depressa e logo desaparece. Ah! Meus setenta e seis anos de
vida não me parecem agora mais do que um sonho e um momento; e nada me resta deles, a não
ser o pesar por haver empregado tão mal esses instantes. Pensemos no
pesar que teremos, à hora de nossa morte, se não nos servirmos deste momento para fazer
misericórdia.
Sejamos, pois, misericordiosos,
meus irmãos, e exercitemos a misericórdia para com todos, de forma que nunca
encontremos um pobre sem consolá-lo, se o pudermos; nenhum homem
ignorante, sem ensinar-lhe, em poucas palavras, as coisas nas quais ele precisa crer e o que ele
precisa fazer para sua salvação. Oh Salvador, não
permitais que abusemos de nossa vocação, nem tireis desta companhia o espírito
de misericórdia. Que seria de nós, se nos retirásseis vossa misericórdia? Concedei-nos, pois, esse
espírito, junto com o espírito de mansidão e de humildade.
Inspiração
bíblica: Sl 84(83); Lc 10, 25-37.
Para refletir:
Na parábola do Samaritano, Jesus nos propõe o caminho da misericórdia:
ver, comover-se e agir. São Vicente nos convida a encarnar, em nossa ação
missionária, essa mesma atitude dinâmica.
1)
Procuro VER a realidade dos
pobres e, ainda mais, o rosto concreto de cada um deles, tal como se
apresentam, ou limito-me a um olhar superficial, tendencioso e generalizante,
incapaz de chegar às raízes dos dramas individuais e coletivos?
2)
Quando sou capaz de
COMOVER-ME, deixo o sofrimento alheio “remexer as entranhas do meu coração”,
sinto, de fato, a dor do outro que está caído à beira do caminho, ou
simplesmente sou tomado por um sentimentalismo estéril?
3)
O olhar atento, que vai às raízes mais profundas, e o coração que se
debruça sobre a miséria do outro me impelem a uma AÇÃO, entedida também como cuidado, para “fazer justiça ao oprimido”, tornando-o
protagonista de sua própria história?
Nenhum comentário:
Postar um comentário