Conferência de 15 de outubro de 1655[1]
Havia três pontos: no primeiro, as
razões que temos para entregar-nos a Deus, para fazer, sempre e em todas as
coisas, sua santa vontade; no segundo, em que consiste tudo isso, e os atos; e
no terceiro ponto, os meios para adquirir essa prática de fazer, sempre e em
todas as coisas, a vontade de Deus.
Padre Vicente, depois de anunciar, dessa maneira, o
assunto da conferência, disse à Companhia:
Começarei falando primeiro e, em seguida, falarão alguns
outros da Companhia. As razões, senhores Padres, que temos para entregar-nos a
Deus e adquirir esta santa prática de fazer sua vontade, sempre e em todas as
coisas, são as seguintes: A primeira é tirada do Pai nosso, que todos os dias repetimos e que Nosso Senhor nos
ensinou: Fiat voluntas tua sicut in caelo
et in terra (Mt 6,10). Faça-se a vossa vontade assim na terra como no céu.
Nosso Senhor quer que, assim como os anjos e os bem-aventurados do céu fazem incessantemente
sua santa e adorável vontade, também a façamos nós, aqui na terra, de forma
semelhante e que a façamos com a maior perfeição possível, etc.
A segunda razão, senhores Padres, é que Nosso Senhor
deu-nos este exemplo, pois não veio à terra para outra coisa, a não ser para
fazer a vontade de Deus, seu Pai, levando a bom termo a obra de nossa redenção;
e nisto consistiam suas delícias, em fazer a vontade de Deus, seu Pai, etc.
Em que consiste fazer a vontade de Deus? Digo-vos que
devemos considerar a vontade de Deus, tanto no que diz respeito às coisas
ordenadas quanto nas coisas proibidas, como no que diz respeito às coisas que
não foram ordenadas nem proibidas e que são indiferentes ou aconselhadas.
Em relação à vontade de Deus, que nos manda fazer uma
coisa, manifestada por meio de sua lei, de seus mandamentos, dos mandamentos de
sua Igreja e daquilo que nos proíbe por meio dos mesmos mandamentos; pois há
preceitos que mandam fazer uma coisa e outros que nos proíbem fazer outra; e,
em ambos os casos, se cumpre a vontade de Deus, quando se faz o que ele ordena,
ou não se faz o que ele proíbe. Além disso, Deus quer, e tal é o seu
beneplácito, que se obedeça aos prelados da Igreja, aos reis, aos magistrados,
quando eles nos ordenam ou proíbem alguma coisa, às disposições do reino onde
alguém está, ao pai, à mãe, aos parentes e a seus superiores. Fazendo isso,
faz-se a vontade de Deus.
Quanto às ações indiferentes, que não são nem ordenadas,
nem proibidas, nem agradáveis, nem desagradáveis...Se são agradáveis, como
comer e beber, ou necessárias, Deus deseja que as façamos, por amor a ele e
porque ele o quis assim, prescindindo do prazer que aí sente a natureza. Se não
são necessárias, Deus deseja que nos privemos delas e nos mortifiquemos; se são
desagradáveis e mortificantes para a natureza, que as abracemos. Quem quiser vir após mim – diz Nosso
Senhor – que renuncie a si mesmo, tome a
sua cruz e siga-me (Mt 16,24). Se não tem nada de agradável, nem de
desagradável, como estar de pé, andar por este caminho ou por outro, a vontade
de Deus é que tudo façamos por amor a ele. São Paulo disse: Sive manducatis,sive bibitis,sive aliud quid
facitis, omnia in gloriam Dei facite (1Cor 10,34). Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei
tudo para a maior glória de Deus. De modo que, se quisermos, podemos fazer
sempre a vontade de Deus. Oh! Que felicidade, que felicidade, senhores Padres,
fazer, sempre e em todas as coisas, a vontade de Deus! Não é isto que o Filho
de Deus veio fazer na terra, como já vos dissemos? O Filho de Deus veio para
evangelizar os pobres (cf. Lc 4,18); e nós, padres, não fomos enviados para
fazer a mesma coisa? Sim, os missionários foram enviados para evangelizar os
pobres. Que felicidade fazer na terra o mesmo que fez Nosso Senhor, que é
ensinar o caminho do céu aos pobres!
Os meios para isso consistem em ter
o cuidado de direcionar a intenção, no começo de cada ação que fizermos,
dizendo a Deus: “Meu Deus, é por vosso amor que vou fazer isto; é por vosso
amor que vou deixar tal coisa para fazer essa outra”. Porque, vede, meus padres
e irmãos, a boa intenção que formulamos no começo de nossas ações é como a
forma. Verbi gratia, assim como para o batismo não basta molhar o menino, o que
constitui apenas a matéria, para que seja batizado, mas é preciso, além disso,
a intenção e as palavras, que são a forma; de outra maneira o menino ficaria
sem ser batizado. Do mesmo modo, a boa intenção que formulamos no começo de
nossas ações, que devem ser feitas por amor a ele [Deus], eleva-as [as ações]
até o trono da majestade de Deus e as faz merecedoras da vida eterna. Peçamos a
Deus que nos conceda essa graça de fazer, sempre em todas as coisas, sua santa
e adorável vontade e de adquirirmos essa prática. Queira Deus conceder-nos essa
graça!
Inspiração bíblica: Sl 143
(142); Mt 12, 46-50.
Para refletir:
1)
Minhas escolhas pessoais, meu
estilo de vida e os esforços que empreendo são orientados por uma opção
fundamental por Deus e por um desejo sincero de fazer a sua vontade?
2)
Estou convencido de que o
cumprimento da vontade de Deus plenifica minha existência, harmonizando meu
agir e meu falar, meu falar e meu pensar, meu pensar e meu ser?
3)
Permito que a minha
consciência, os acontecimentos do cotidiano, a convivência com os outros, os
“sinais dos tempos” inspirem o discernimento da vontade de Deus em relação a
mim e à comunidade a que pertenço?
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