Queridos irmãos e irmãs,
Na
ocasião do 4º centenário do carisma que deu origem à vossa Família, gostaria de
unir-me a vós com palavras de gratidão e incentivo e, ressaltar o valor e a atualidade
de São Vicente de Paulo.
Ele esteve sempre
a caminho, aberto ao conhecimento de Deus e de si mesmo. A esta busca constante
se implantou a ação da graça: enquanto pastor, ele teve um encontro fulgurante
com Jesus Bom Pastor, na pessoa dos pobres. O que pode ser constatado
especialmente quando ele se deixou sensibilizar pelo olhar de um homem sedento
de misericórdia e pela situação de uma família em extrema precariedade. Neste momento,
ele percebeu o olhar de Jesus que o desnorteou e o convidou a não mais viver
para si mesmo, mas para servi-Lo sem reservas nos pobres, os quais, mais tarde,
Vicente de Paulo chamaria: “nossos senhores e mestres” (Correspondência, conferências, documentos, XI, pág. 402). Então, sua
vida se transformou em um serviço constante até seu último suspiro. Uma Palavra
da Escritura deu sentido para sua missão: “O Senhor me enviou para evangelizar
os pobres” (cf. Lc 4,18).
Com o desejo
ardente de tornar Jesus conhecido aos pobres, ele se consagrou intensamente ao
anúncio, sobretudo através das missões populares, e prestou especial atenção à
formação dos Padres. Utilizava de forma natural um “método simples”: falar, primeiramente
por sua própria vida e, em seguida com uma grande simplicidade, de modo
familiar e direto. O Espírito fez dele um instrumento que suscitou um impulso
de generosidade na Igreja. Inspirado pelos primeiros cristãos que tinham “um só
coração e uma só alma” (At 4,32), São
Vicente fundou as “Caridades”, a fim de cuidar dos mais necessitados, viver em
comunhão e colocar à disposição seus próprios bens, na alegria, com a certeza
de que Jesus e os pobres são os tesouros mais preciosos e que, como gostava de repetir, “quando vais aos pobres, encontras Jesus”.
Este pequeno “grão de mostarda”, semeado em 1617,
fez germinar a Congregação da Missão e a Companhia das Filhas da Caridade,
ramificou-se em outros Institutos e Associações, tornou-se uma grande árvore (cf.
Mc 4,31-32): vossa Família. Mas tudo começou
por este pequeno grão de mostarda: São Vicente jamais quis ser um protagonista
ou um líder, mas um “pequeno grão”. Ele estava convencido de que a humildade, a
doçura e a simplicidade são condições essenciais para encarnar a lei da semente
que morrendo gera vida (cf. Jo 12, 20-26),
esta lei que, somente ela, torna a vida cristã fecunda, esta lei pela qual é
dando que se recebe, encontra-se perdendo e irradia escondendo-se. Igualmente,
ele tinha a convicção de que não era possível fazer tudo sozinho, mas juntos,
enquanto Igreja e Povo de Deus. Gosto muito de lembrar a este respeito a sua
intuição profética da valorização das qualidades excepcionais femininas que se
manifestaram na fineza espiritual e sensibilidade humana de Santa Luísa de
Marillac.
“Cada
vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40) diz o Senhor. No centro da Família
Vicentina, há a busca pelos “mais pobres e abandonados”, com a consciência
profunda de ser “indignos de lhes prestar nossos pequenos serviços” (Correspondência,
conferências, documentos, XI, pág. 402). Desejo que este ano de ação de graça ao
Senhor e de aprofundamento do carisma seja a ocasião de beber na fonte, de
restaurar-se no manancial do espírito das origens. Não esqueçais que das fontes
de graças nas quais bebeis, brotaram corações sólidos e firmes no amor,
“modelos insignes de caridade” (Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est, 40). Levareis o mesmo vigor, tão somente voltando
o olhar ao rochedo de onde tudo brotou. Esta rocha é Jesus pobre, que pede para
ser reconhecido naquele que é pobre e sem voz. Pois ele está aqui. E vós,
quando encontrardes existências frágeis, despedaçadas por passados difíceis,
por vossa vez, sois chamados a ser rochas: não a parecer duros e inabaláveis,
nem a mostrardes insensíveis aos sofrimentos, mas a tornardes pontos seguros de
apoio, sólidos diante das contingências do tempo, resistentes às adversidades,
porque “olhais para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes
extraídos” (Is 51,1). Assim, sois
chamados a ir às periferias da condição humana para aí levar, não vossas
capacidades, mas o Espírito do Senhor, “Pai dos pobres”. Ele vos dissemina amplamente
no mundo como sementes que crescem em uma terra árida, como um bálsamo de
consolação para aquele que está ferido, como uma flama de caridade para aquecer
tantos corações frios pelo abandono e endurecidos pela rejeição.
Em
verdade, todos nós, somos chamados a saciar nossa sede no rochedo que é o
Senhor e a saciar o mundo com a caridade que vem dele. A caridade está no
coração da Igreja, ela é a razão de sua ação, a alma de sua missão. “A caridade
é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades e
compromissos por ela delineados derivam da caridade, que é – como ensinou Jesus
– a síntese de toda a Lei” (Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in veritate, 2). É a via a seguir, a fim de que a Igreja
seja sempre mais, mãe e mestra da caridade, com um amor cada vez mais intenso e
transbordante entre vós e para com todos os homens (cf. 1Ts 3,12): concórdia e comunhão no interior da Igreja, abertura e
acolhimento no exterior, com a coragem de renunciar o que pode ser uma vantagem,
a fim de imitar em tudo seu Senhor e de encontrar plenamente a si mesmo,
fazendo da aparente fraqueza da caridade a única razão de seu orgulho (cf. 2Cor 12,9). De uma grande atualidade, as
palavras do Concílio ressoam em nós: “Cristo Jesus [...] ‘sendo rico, fez-se
pobre’. Assim também a Igreja, embora necessite dos meios humanos para o
prosseguimento da sua missão, não foi constituída para alcançar a glória
terrestre, mas para divulgar a humildade e abnegação, também com o seu exemplo.
Cristo foi enviado pelo Pai ‘a evangelizar os pobres’ [...]. De igual modo, a
Igreja abraça com amor todos os afligidos pela enfermidade humana; mais ainda,
reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu fundador pobre e
sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo.
(Concílio Ecumênico Vaticano II, Cost. Dogm. Lumen gentium, 8).
Foi
o que São Vicente realizou durante toda a sua vida e ele fala ainda hoje a cada
um e a todos nós, enquanto Igreja. Seu testemunho nos convida a estar sempre a
caminho, prontos a nos deixar surpreender pelo olhar do Senhor e por sua
Palavra. Ele nos pede a pobreza de coração, uma total disponibilidade e uma
dócil humildade. Ele nos impulsiona à comunhão fraterna entre nós e à missão
corajosa no mundo. Ele nos pede para nos libertar das linguagens complicadas,
dos discursos egocêntricos centrados sobre nós mesmos e de apegos aos bens
materiais que podem nos tranquilizar de imediato, mas não nos dão a paz de Deus
e, muitas vezes, são um obstáculo na missão. Ele nos exorta a investir na
criatividade do amor, com autenticidade de um “coração que vê” (cf. Bento XVI,
Carta Encíclica Deus Caritas est,
31). De fato, a caridade não se contenta com os bons costumes do passado, mas
sabe transformar o presente. Ela é cada vez mais necessária hoje, na complexa
mudança de nossa sociedade globalizada onde certas formas de auxílio e de
ajuda, mesmo que justificados por intenções generosas, podem alimentar formas de
exploração e de ilegalidade e, não produzir progressos reais e sustentáveis.
Por esta razão, imaginar a caridade, organizar a proximidade e investir na
formação são os ensinamentos atuais que nos vêm de São Vicente. Mas seu exemplo
nos encoraja ao mesmo tempo a dar espaço e tempo aos pobres, aos novos pobres
do nosso tempo, aos demasiados pobres de hoje, a fazer nossos seus pensamentos
e suas dificuldades. O cristianismo sem contato com aquele que sofre se torna
um cristianismo desencarnado, incapaz de tocar a carne de Cristo. Encontrar os
pobres, preferir os pobres, dar voz aos pobres a fim de que sua presença não
seja reduzida ao silêncio pela cultura do transitório. Espero sinceramente que
a celebração do Dia mundial dos Pobres de 19 de novembro próximo nos ajude em nossa
“vocação a seguir Jesus pobre”, tornando “cada
vez mais e melhor sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais
carenciados” e reagindo “à cultura do
descarte e do desperdício” (Mensagem para o 1º Dia Mundial dos Pobres “Não amemos com palavras, mas
com obras”, 13 de junho de 2017).
Peço
para a Igreja e para vós a graça de encontrar no irmão faminto, sedento,
estrangeiro, despojado de suas vestes e de sua dignidade, doente e preso, ou
ainda, indeciso, ignorante, obstinado no pecado, afligido, grosseiro,
mal-humorado e importuno, o Senhor Jesus; de encontrar nas feridas gloriosas de
Jesus, a força da caridade, a felicidade do grão que, morrendo, gera vida, a
fecundidade da rocha de onde jorra a água, a alegria de sair de si e de ir ao
mundo, sem nostalgia do passado, mas com a confiança em Deus, criativos diante dos
desafios de hoje e do amanhã, pois, como dizia São Vicente, “o amor é inventivo
ao infinito”.
Do Vaticano, 27 de setembro de 2017
Memória de São Vicente de Paulo
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