A fim de ajudar na preparação espiritual para a celebração litúrgica de São Vicente de Paulo, a ser realizada no dia 27 de setembro de 2021, a pastoral do Santuário do Caraça preparou um belo novenário. Pe Alexandre Nahass Franco, CM, elaborou o material, que poderá ser utilizado amplamente pelos padres, irmãos, seminaristas da PBCM, bem como por toda a Família Vicentina. A versão digital está disponível abaixo, em pdf. Rezemos juntos, vicentinos e vicentinas:
1ª Meditação: Seguir Jesus Cristo
Queridos Irmãos
e Irmãs, reunimo-nos enquanto Igreja para preparar-nos para celebrar a Festa de
São de Vicente de Paulo. Acolhemos o convite do Senhor: “Vinde vós, sozinhos, a um lugar deserto e descansai um pouco” (Mc
6, 31), afinal, em nosso dia a dia, são tantos que chegam e partem, múltiplas
solicitações, urgentes necessidades. É preciso retirar-nos, fazer uma pausa,
escutar o Senhor, avaliar o caminho percorrido em relação à meta, projetar o
novo percurso. O tema que orienta nossa reflexão durante estes dias são as
Virtudes propostas por São Vicente de Paulo, fonte de vida e comunhão de amor.
Que estas meditações nos preparem para estes dias, atuem em nosso interior e
nos envie à missão!
Seguir Jesus
Cristo é o projeto de nossa vida. Para isso, é preciso amá-lo e decidir-se a
viver como Ele viveu, assimilando seu modo de pensar que determina suas
decisões. A oração é o momento de intimidade com o Senhor, que nos ajuda a
tomar consciência de sua presença e mudar nossa maneira de pensar.
Palavra de Deus (Mc 8,34-37)
Chamando a
multidão, juntamente com seus discípulos, Jesus lhes disse: “Se alguém quiser
vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que
quiser salvar sua vida, a perderá; mas, o que perder sua vida por causa de mim
e do Evangelho, a salvará. Com efeito, que aproveita o homem ganhar o mundo
inteiro, e arruinar sua própria vida? Pois, que daria o homem em troca da sua
vida?
O Ensinamento do Papa Francisco
A vida de fé consiste no desejo
de estar com o Senhor e, portanto, numa busca contínua do lugar onde Ele mora.
Isto significa que somos chamados a superar uma religiosidade rotineira e
óbvia, reavivando o encontro com Jesus na oração, na meditação da Palavra de
Deus e na frequência dos Sacramentos, para estar com Ele e dar frutos graças a
Ele, à sua ajuda, à sua dádiva. Procurar Jesus, encontrar Jesus, seguir Jesus:
este é o caminho (Angelus 14/01/2018).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
O amor por
Jesus levou a São Vicente a se comprometer a segui-lo, empenhando-o na conversão
de sua mente, seu coração e suas ações para viver como Ele viveu.
Onde me
encontro no seguimento de Jesus? O amor
que sinto por ele tem me levado a transformar minha vida? Em quê?
O espírito da Companhia consiste
em se dar a Deus para amar Nosso Senhor e servi-lo na pessoa dos pobres,
corporal e espiritualmente. [...] Sois suas filhas e Ele é vosso Pai; gerou-vos
e deu-vos o seu espírito; pois quem visse a vida de Jesus Cristo veria coisa semelhante
na Filha da Caridade. [...] Deveis, portanto, saber, minhas queridas Irmãs, que
o espírito da Companhia consiste em três coisas: amar Nosso Senhor em espírito
de humildade e simplicidade. Enquanto existir entre vós a caridade, a humildade
e a simplicidade, poder-se-á dizer: “A Companhia da Caridade ainda vive”; mas,
quando nela já não houver essas virtudes, poder-se-á dizer: “A pobre Caridade
morreu”. Uma Filha da Caridade que não tiver humildade e caridade está morta,
pois não tem seu espírito. [...] Repito ainda mais uma vez que o espírito da
Companhia, minhas Irmãs, consiste no amor de Nosso Senhor, no amor dos pobres,
no amor entre vós, na humildade e na simplicidade. Mais valia não haver mais
Filhas da Caridade se entre vós não houvesse estas virtudes. (SV Conf. de
09/02/1653)
Concluamos
nossa meditação rezando juntos esta bela oração de Bruno Forte, arcebispo de Chieti-Vasto, na Itália.
Pai
Santo,
Tu,
que me chamaste
ao
deserto para falar-me na intimidade do coração,
Tu,
contra quem lutei e venceste, faze que,
renunciando
aos meus álibis e minhas defesas,
tenha
finalmente a coragem de deixar-me amar por ti,
e
deixar-me contemplar por teu olhar penetrante e criador.
Vem
a mim com o fogo do teu Espírito Santo!
Que
ele me configure ao teu Filho Jesus Cristo
nos
mistérios de sua história de encarnação, morte e ressurreição.
Leva-me
ao frescor das nascentes,
onde
possa repousar o meu cansaço e a minha dor.
Teu
Espírito seja para mim desejo, consolo e santa inquietação.
Quando
o Espírito tiver inundado a ativa paciência de minha oração como,
um
dia, inundou a acolhedora escuta da Virgem Mãe Maria,
então
me sentirei em ti e sentirei que estás em mim com teu Filho,
e
poderei, luz na luz, testemunhar-te a todos em ação de graças sem fim.
Amém![1]
2ª Meditação: A Virtude da Humildade
Queridos
Irmãos e Irmãs, mais uma vez nos colocamos na presença do Senhor que sempre nos
precede e aguarda para nos ouvir e falar. Que Ele encontre nossos corações
dispostos a acolher a boa semente de Sua Palavra e a fazê-la frutificar em boas
obras.
No Carisma Vicentino, o cultivo das virtudes tem um caráter
missionário, isto é, para que sejamos apóstolos da caridade e bons cristãos
como dizia São Vicente. Se para as Filhas da Caridade, três são as virtudes que
compõem seu espírito, na Espiritualidade Vicentina (Humildade, Simplicidade e
Caridade), em geral, foram assumidas as cinco virtudes dadas por Vicente de
Paulo aos Missionários (Humildade, Simplicidade, Mortificação, Zelo e Mansidão).
Ao longo destes dias, em que procuraremos impregnar nossa vida do Evangelho,
vamos rezá-las procurando examinar nossa vida a fim de perceber como temos
vivido cada uma delas. Começamos com aquela que São Vicente considerava a base
de todo edifício espiritual: a humildade. Peçamos ao Senhor o seu Espírito para
que nos dê um coração humilde como o d’Ele.
Na tradição espiritual cristã, a humildade está relacionada à
verdade. A pessoa humilde tem uma visão equilibrada de si mesma e dos outros,
reconhecendo-se especialmente necessitada da bondade e da misericórdia do
Senhor, sem o qual ela não poderia superar as lutas e cansaços do dia a dia. O
humilde demonstra total confiança no Senhor, em quem deposita sua esperança;
consciente de si e da realidade que o rodeia, não se preocupa com
superficialidades passageiras, mas sim em viver uma vida na presença do Senhor
que o conhece verdadeiramente.
Palavra de Deus (Filip 2, 1-5)
Pelo conforto
que há em Cristo, pela consolação que há no amor, pela comunhão no Espírito,
por toda ternura e compaixão, levai à plenitude minha alegria, pondo-vos
acordes no mesmo sentimento, no mesmo amor, numa só alma, num só pensamento,
nada fazendo por competição ou vanglória, mas com humildade, julgando cada um
os outros superiores a si mesmo. Tende em vós o mesmo pensamento de Cristo Jesus.
O Ensinamento do Papa Francisco
Sempre que
olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e
do afeto. N’Ela, vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos,
mas dos fortes, que não precisam maltratar os outros para se sentir
importantes. Maria sabe reconhecer os vestígios do Espírito de Deus tanto nos
grandes acontecimentos como naqueles que parecem imperceptíveis. É
contemplativa do mistério de Deus no mundo, na história e na vida diária de
cada um e de todos. É a mulher orante e trabalhadora em Nazaré, mas é também
nossa Senhora da prontidão, a que sai «às pressas» (Lc 1, 39) da sua povoação
para ir ajudar os outros. (EG, 288).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
A partir do
serviço dos pobres, vemos que a humildade é uma virtude apostólica porque
favorece a aproximação das pessoas, uma vez que a pessoa humilde não quer ser
nem parecer mais ou diferente do que realmente é. Quem está no caminho da
humildade é livre porque tem coragem de enfrentar a verdade sobre si mesma e
reconciliar-se com sua realidade de ser humano. Somente quem se empenha em
crescer na humildade é capaz de ser serva como Maria: instrumento dócil nas
mãos de Deus para cumprir sua vontade.
Meu Salvador!
Quando nascestes segundo a carne, logo vos constituístes nosso modelo;
deste-nos o exemplo da humildade durante a vossa vida e quisestes aparecer aos
olhos do mundo com o aspecto mais humilhante, o de criminoso. Quisestes
apresentar-vos assim aos nossos olhos e que dissessem: “Aqui está o nosso
Deus!”. A vossa humildade vai ao ponto de vos esconderdes sob espécies tão
pobres, como as do pão e do vinho, e assim permaneceis durante tantos anos. Em
todas as vossas obras pusestes o selo da humildade, da caridade, da obediência
e da paciência e por isso quereis que vos imitemos nessas mesmas virtudes. A
quem iremos para alcançarmos estas virtudes senão a vós, Senhor que sois a
fonte de onde emana a humildade? (SV Conf. de 14/07/1658).
Entregando ao
Senhor nossa vida, rezemos juntos a oração abaixo composta por Ignacio de
Larrañaga[2]:
Senhor
Jesus, manso e humilde,
desde
o pó me sobe e domina esta sede insaciável de estima,
esta
necessidade imperiosa de que todos me queiram bem.
Meu
coração está cheio de delírios impossíveis.
Meu
coração é soberbo.
Dá-me
a graça da humildade, meu Senhor, manso e humilde de coração.
Grossas
correntes prendem meu coração.
Este
coração lança raízes, submete e apropria-se de tudo que sou e faço,
de
tudo que me rodeia. E dessas apropriações vêm-me tanto susto e medo.
Infeliz
de mim, proprietário de mim mesmo!
Dá-me
a graça da humildade.
A
graça de perdoar de coração.
A
graça de aceitar a crítica e a contradição ou, ao menos,
de
duvidar de mim mesmo quando me corrigirem.
Dá-me
a graça de fazer tranquilamente a minha autocrítica.
A
graça de me manter sereno nos desprezos, esquecimentos e indiferenças;
de
sentir-me verdadeiramente feliz no anonimato;
de
não fomentar autossatisfações nos sentimentos, palavras e atos.
Abre,
Senhor, espaços livres dentro de mim
para
que os possas ocupar Tu e meus irmãos.
Por
fim, meu Senhor Jesus Cristo,
dá-me
a graça de ir adquirindo paulatinamente um coração desprendido e vazio como o
teu;
um
coração manso, paciente e benigno.
Cristo
Jesus, manso e humilde de coração, faze meu coração semelhante ao teu.
Amém!
3ª Meditação: A Virtude da Simplicidade
Queridos Irmãos e Irmãs, peçamos ao Senhor que nos ajude, a fim de que este tempo de meditação seja um caminho de oração e discernimento, que nos possibilite configurar nossa vida a Jesus Cristo, pela força da graça e iluminação da Palavra de Deus. Só assim seremos livres para tomar as decisões necessárias para melhor amar e servir o Senhor na história. A virtude da simplicidade que iremos rezar é uma das mais atrativas ao mundo de hoje porque, apesar das muitas mudanças em relação ao século XVII, a autenticidade, a integridade, a transparência ainda impactam as pessoas. Esta era a virtude que São Vicente mais amava, chamando-a de “meu Evangelho”. As pessoas admiram espontaneamente quem vive segundo o que diz; a duplicidade mina toda confiança, por isso tantas autoridades civis e religiosas estão desacreditadas. Ghandi dizia que há grande felicidade quando o que penso, digo e faço estão em harmonia. Será que nós experimentamos essa felicidade? Olhemos para Jesus de Nazaré, o grande modelo de simplicidade, de vida sem dobras e disfarces.
Palavra de Deus (Mt 10, 11-14.16)
Quando
entrardes numa cidade ou povoado, procurai saber de alguém que seja digno e
permanecei ali até vos retirardes do lugar. Ao entrardes na casa, saudai-a. E
se for digna, desça a vossa paz sobre ela. Se não for digna, volte a vós a
vossa paz. Eis que vos envio como ovelhas entre lobos. Por isso, sede prudentes
como as serpentes e simples como as pombas.
O Ensinamento do Papa Francisco
Com o desejo
ardente de tornar Jesus conhecido aos pobres, Vicente de Paulo [...] utilizava
de forma natural um “método simples”: falar, primeiramente por sua própria vida
e, em seguida com uma grande simplicidade, de modo familiar e direto. O
Espírito fez dele um instrumento que suscitou um impulso de generosidade na
Igreja. São Vicente jamais quis ser um protagonista ou um líder, mas um
“pequeno grão”. Ele estava convencido de que a humildade, a doçura e a
simplicidade são condições essenciais para encarnar a lei da semente que
morrendo gera vida (cf. Jo 12, 20-26), esta lei que, somente ela, torna a vida
cristã fecunda, esta lei pela qual é dando que se recebe, encontra-se perdendo
e irradia escondendo-se (Carta à Família Vicentina, 27/09/17).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
Para São
Vicente a simplicidade nada tem a ver com simploriedade (ingenuidade),
dificuldade de compreensão ou algo semelhante.
A pessoa simples não complica a vida, diz o que pensa e escuta o que o
outro diz sem se melindrar ou se ofender “com tudo”. Sua honestidade é aliada à
prudência. A integridade interior e a autenticidade dão liberdade para viver e
conquistam a confiança dos pobres, por isso é uma virtude apostólica. Será que
a compreensão que temos da simplicidade é como a de São Vicente de Paulo? Como
a tenho praticado enquanto espírito próprio que sustenta minha vocação?
Quanto à outra
parte da simplicidade, que concerne às ações, tem ela de próprio, como
dissemos, o fato de levar a agir de modo transparente, honestamente, e sempre
na presença de Deus, nos negócios, nos ministérios e exercícios de piedade, excluindo
toda sorte de hipocrisia, artifício e vãs pretensões. Por exemplo, uma pessoa
dá um presente a alguém e finge fazer isso por afeição. Faz, entretanto, a fim
de receber alguma coisa de maior valor. Conforme o pensar do mundo, é isso
permitido, e, talvez mesmo, que é segundo Deus. É, todavia, contra a
simplicidade, que não pode suportar que demonstremos uma coisa e tenhamos outra
em mente. Se essa virtude nos faz falar segundo os sentimentos interiores, nos
faz também agir do mesmo modo, dentro da franqueza e retidão cristãs, e isso
por Deus, porque é necessário termos esse fim” (SV XII, 177).
Coloquemos
nossa vida nas mãos do Senhor, junto com as nossas intenções, pedindo a graça
de viver na verdade.
Eu
te louvo, ó Pai,
pela
sede de verdade que imprimiste no fundo do meu coração.
Ela
não se deixa enganar com vãs promessas,
soluções
fáceis e frases vazias.
Eu
te peço, ó Pai, que, comigo, olhes para a verdade da minha vida,
para
tudo o que está certo e errado,
para
tudo o que é verdadeiro e tudo o que é mentira,
para
que o que tem sentido e tudo o que é oco.
Eu
acredito em Ti, meu Pai!
Acredito
que vens à minha vida, com a tua luz,
transformar
a minha escuridão em claridade, e para mim és a verdade
que
sacia toda a minha sede.
Amém!
Dörte
Schrömges[3]
4ª Meditação: A Virtude da Caridade
Queridos
Irmãos e Irmãs, peçamos ao Senhor que santifique nossos corações e nossos
corpos, nossos sentimentos e pensamentos a fim de que vivamos no amor generoso
e serviçal a Ele e a nossos irmãos e irmãs. A caridade consiste no amor a Deus
e aos pobres, tal como Jesus o viveu; isto significa amar afetiva e
efetivamente. São Vicente nos ensinou que o amor afetivo é a ternura do amor,
aquele que aquece nossos corações, que provoca alegria e paz por estarmos com
quem amamos. Contudo, um verdadeiro amor leva ao desejo de praticar atos que o
expressem, pois é uma força que irradia. O verdadeiro amor nos abre para os
outros, alivia o cansaço, conforta nas dificuldades e sustenta nossa
perseverança na prática do bem. Caridade é ir ao encontro do outro em sua
necessidade, seja ela qual for, mas agindo sempre com cordialidade, ternura e
respeito. A caridade aproxima, tal como Deus se fez solidário com o ser humano,
em seu sofrimento e solidão e, por isso, quem se reconhece como cristão não tem
outro caminho senão o da proximidade e solidariedade com quem mais sofre. Não
basta uma solidariedade, uma caridade expressas em palavras, mas que não se
tornam referenciais e critérios de conduta. O amor a Deus e aos pobres são as
lentes que usamos para olhar o mundo e o princípio que orienta nossas escolhas
e convicções.
Palavra de Deus (1Cor 13, 4-8)
A caridade é
paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha
de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não
se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija
com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade
jamais passará.
O Ensinamento do Papa Francisco
De fato, a caridade
não se contenta com os bons costumes do passado, mas sabe transformar o
presente. Ela é cada vez mais necessária hoje, na complexa mudança de nossa
sociedade globalizada onde certas formas de auxílio e de ajuda, mesmo que
justificados por intenções generosas, podem alimentar formas de exploração e de
ilegalidade e, não produzir progressos reais e sustentáveis. Por esta razão,
imaginar a caridade, organizar a proximidade e investir na formação são os
ensinamentos atuais que nos vêm de São Vicente. Mas seu exemplo nos encoraja ao
mesmo tempo a dar espaço e tempo aos pobres, aos novos pobres do nosso tempo,
aos demasiados pobres de hoje, a fazer nossos seus pensamentos e suas
dificuldades. O cristianismo sem contato com aquele que sofre se torna um cristianismo
desencarnado, incapaz de tocar a carne de Cristo. Encontrar os pobres, preferir
os pobres, dar voz aos pobres a fim de que sua presença não seja reduzida ao
silêncio pela cultura do transitório (Carta à Família Vicentina, 27/09/17).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
Ter uma vida
orientada pela caridade que brota do coração de Cristo deve ser a finalidade de
nossas vidas. Contudo, uma vez que a caridade é uma virtude a ser alcançada, é
necessário abertura à graça e colaboração com ela. Vicente espera de nós
empenho em fazer de nossa vida um prolongamento da vida de Jesus, aproveitando
as ocasiões que temos para amá-lo. Agir com caridade, que supõe olhar
misericordioso e lúcido para com as pessoas, a prática perseverante do perdão e
a solicitude na prática do bem, transforma nossos corações e cria novas
relações, fazendo acontecer o Reino.
Dai-me um homem
que ama só a Deus, uma alma enlevada em contemplação que não pensa em seus
irmãos, oh! essa pessoa experimentando um prazer muito agradável nessa maneira
de amar a Deus, que lhe parece único amável, fica a saborear essa fonte
infinita de doçura. Eis um outro que ama o próximo, mas que o ama por amor de
Deus. Qual é, pergunto-vos, desses amores o mais puro e o menos interessado?
Sem dúvida é o segundo; e assim cumpre a lei mais perfeitamente. Ama a Deus e o
próximo. Que mais pode fazer? O primeiro só ama a Deus, mas o outro a ambos
consagra o seu amor. Devemos dar-nos inteiramente a Deus para gravar essas
verdades em nossas almas, dirigir nossa vida segundo este espírito e realizar
as obras desse amor (SV XII, 266).
Rezemos com São
Vicente de Paulo:
Ó
Salvador,
como
sou feliz por permanecer em um estado de amor para com o próximo,
em
um estado que vos fala por si mesmo,
rogo-vos
e apresento-vos, incessantemente, o que faço em seu favor!
Dai-me
a graça de entender minha felicidade
e
de amar profundamente esse bem - aventurado estado.
Possa
eu contribuir para que brilhe essa virtude na Companhia agora, amanhã e sempre.
Amém!
(SV
XII, 280)
5ª Meditação: A Virtude da Mansidão
Queridos
Irmãos e Irmãs, do Senhor recebemos a graça para viver mergulhados em seu amor,
acolhidos por sua misericórdia e sustentados por sua bondade. Peçamos ao Senhor
que este tempo de oração nos ajude a bem examinar nossa consciência e nosso
coração para identificarmos o que é obstáculo à ação divina e nos
comprometermos com gestos concretos de conversão para sermos autênticas
testemunhas da Caridade. A virtude da mansidão é indicada por São Vicente com
relação ao modo de tratar os pobres e as pessoas. Ela pode ser traduzida como
ternura e amabilidade nas palavras e gestos que abrem as portas dos corações,
suscitando boa disposição para acolher o que vai ser dito; portanto, é
importante na pastoral. Vicente de Paulo a considerava essencial para
evangelizar o mundo dos pobres. Além disso, a prática da mansidão faz-nos
alcançar o equilíbrio pessoal e torna a convivência agradável. Para ser
efetiva, a mansidão deve ser aliada à firmeza e nunca ser confundida com
debilidade, covardia ou acomodação. Geralmente, a pessoa mansa é a mais firme,
pois recusa a agressividade exterior através da “violência” interior para
modificar um instinto ou reação (cf. Mt 11, 11-12). Jesus soube viver esta
virtude que atrai os corações para Deus. Encontrar o equilíbrio entre a ira e a
excessiva brandura é um grande desafio diante das situações de injustiça e
opressão, quando se é ofendido ou oprimido. O manso por excelência é Cristo que
recusou dar vazão à cólera e soube expressar a ira de maneira construtiva, como
expressão de indignação e para fazer com que outros se despertem diante do mal
cometido. Devemos perguntar-nos qual é a marca do nosso modo de nos
relacionarmos com as pessoas: somos equilibradas, afáveis e firmes? Ou será que
demonstramos certa agressividade ou debilidade em nosso apostolado e nas
relações?
Palavra de Deus (Mt 11, 28-29)
Vinde a mim
todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e vos darei descanso.
Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de
coração, e encontrareis descanso para vossas almas, pois meu jugo é suave e meu
fardo é leve.
O Ensinamento do Papa Francisco
«Bem-aventurados os mansos».
Quanto a nós, ao contrário, quantas vezes somos impacientes, nervosos, sempre
prontos para reclamar! Temos tantas pretensões em relação aos outros, mas
quando nos tocam, reagimos erguendo a voz, como se fôssemos os senhores do
mundo, enquanto na realidade somos todos filhos de Deus. Pensemos sobretudo naquelas
mães e naqueles pais que são tão pacientes com os seus filhos, que «os
perturbam». Este é o caminho do Senhor: a vereda da mansidão e da paciência. O
próprio Jesus percorreu esta senda: quando era criança suportou a perseguição e
o exílio; mais tarde, quando era adulto, as calúnias, as ciladas, as falsas
acusações no tribunal; e suportou tudo com mansidão. E por amor a nós, chegou a
suportar inclusive a cruz (Homilia, 1°/11/2015).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
Na ética
vicentina a mansidão é uma virtude que ajuda na constância na prática das boas
obras, já que a cólera tende a tornar a pessoa instável. Ela favorece a
aproximação dos outros, especialmente, quando se cometeu um erro, e a
evangelização dos pobres. Para São Vicente, a vivência desta virtude ajuda a
controlar a ira, torna nossos gestos e ações cordiais e ensina a sofrer as
ofensas com generosidade, perdoando quem nos ofende. Como vemos é uma virtude
fundamental no relacionamento. Compreendo bem esta virtude? Como ela está
presente em minha vida?
Não há pessoas mais constantes e
mais firmes no bem do que as que são mansas e afáveis. Pelo contrário, as que
se deixam arrastar pela cólera e pelas paixões do apetite irascível, são
ordinariamente muito inconstantes, porque só agem por repentes e ímpetos. São
como torrentes que só têm força e impetuosidade nas cheias, mas secam depois
que escoaram, ao passo que os ribeiros, que representam as pessoas afáveis,
escoam, lentamente, sem barulho, com tranquilidade, mas não secam nunca (SV XI,
66). O segundo ato de mansidão é ter uma grande afabilidade, cordialidade e
serenidade de rosto para com as pessoas que tratam conosco, de sorte a lhes
servirmos de consolação. Daí provém que alguns, com maneiras risonhas e
agradáveis, contentam todo mundo. Deus os dotou com esta graça de um acesso
cordial, amável e brando, pelo qual parecem vos oferecer o coração e pedir o
vosso. Outros, pelo contrário, grosseiros como eu, se apresentam com o
semblante fechado, triste ou rebarbativo; isto é contra a mansidão (SV XII,
192).
Concluamos esta
colocação, pedindo ao Senhor, nas palavras de Pierre Olivaint[4],
que Ele cresça e que nós diminuamos para que nosso coração seja mais semelhante
ao d’Ele.
Cresce,
Jesus, cresce em mim.
No
meu espírito, no meu coração,
na
minha imaginação, nos meus sentidos.
Cresce
em mim na Tua mansidão, na Tua pureza,
na
Tua humildade, no Teu zelo, no Teu amor.
Cresce
em mim, com a Tua bênção, a Tua luz e a Tua paz.
Cresce
em mim para a glória do Teu Pai, para a maior honra de Deus.
Amém!
6ª Meditação: A Virtude da Mortificação
Queridos
Irmãos e Irmãs, deixemos que o Senhor trabalhe em nós, como o grande Artesão
que é, para que nossos olhos se abram para contemplar a obra que Ele realiza e
ver as necessidades das pessoas, que os nossos ouvidos escutem sua Palavra e o
clamor dos Pobres, que nossa inteligência compreenda seus apelos e nosso
coração sempre o procure e encontre em todas as coisas. A mortificação é
frequentemente vista como algo contrário ao processo de valorização de nossa
humanidade, sendo associada ao dolorismo. A palavra mortificação está
relacionada ao texto paulino de Rm 8,13 que fala em “fazer morrer” as obras do corpo ou da carne como aquelas obras
contrárias ao Espírito de Deus. Esta virtude tem por finalidade nos tornar mais
livres e saudáveis para servir, isto é, a mortificação tem em vista reconstruir
nossa personalidade submetendo nossas paixões e vícios à caridade de Cristo.
Não podemos iludir-nos: sem sacrifício, sem mortificação (ou ascese) não
converteremos nossos corações nem adquiriremos as virtudes que imprimem em nós
a semelhança com o Filho. É preciso trabalhar sobre si mesmo, é preciso lembrar
que há disciplinas que guardam o coração. Somente a pessoa humilde reconhece
que precisa de ajuda para crescer e amadurecer. No longo e lento, portanto
profundo, processo de conversão são imprescindíveis a graça de Deus, a vontade
pessoal e a busca dos meios adequados; estes últimos fazem morrer em nós os
obstáculos à graça e a resistência de nossa vontade. Será que nos reconhecemos
necessitados de ajuda ou a arrogância já nos cegou?
Palavra de Deus (Ef 4, 20-23)
Vós, porém, não
aprendeste assim com Cristo, se realmente o ouvistes e, como é a verdade em
Jesus, nele fostes ensinados a remover o vosso modo de vida anterior - o homem velho, que se corrompe ao sabor das concupiscências
enganosas – e a renovar-vos pela transformação espiritual da vossa mente, e
revestir-vos do Homem Novo, criado segundo Deus, já justiça e santidade da
verdade.
O Ensinamento do Papa Francisco
Até mesmo a ascética pode ser
mundana. Mas, ao contrário, deve ser profética. Quando eu entrei no noviciado
dos jesuítas, eles me deram o cilício. Tudo bem com o cilício também, mas
atenção: ele não deve me ajudar a demonstrar como sou bom e forte. A verdadeira
ascese deve me fazer mais livre. Eu acho que o jejum é algo que conserva
atualidade: mas como eu faço o jejum? Simplesmente não comendo? Santa Teresinha
também tinha outro modo: nunca dizia o que lhe agradava. Não se lamentava e
tomava tudo que lhe davam. Há uma ascese cotidiana, pequena, que é uma
mortificação constante. Vem à mente uma frase de Santo Inácio que ajuda a ser
mais livre e feliz. Ele dizia que, para seguir o Senhor, a mortificação ajuda
em todas as coisas possíveis. Se uma coisa ajuda você, faça-a, até mesmo o
cilício! Mas somente se ajuda você a ser mais livre, não serve para que você
mostre a si mesmo que é forte (88ª Assembleia Geral da USG -13/02/ 2017).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
Para São
Vicente é preciso morrer para viver. É preciso fazer bom uso do sofrimento e da
dificuldade porque a mortificação é condição para a liberdade interior, pois
sem ela somos escravos das paixões, do desânimo e das mutáveis inclinações de
nosso humor. É necessária certa dose de mortificação para perseverar nos
compromissos da missão, quando as pessoas, os lugares e os trabalhos não
agradam nossa sensibilidade mesmo que saibamos que estamos onde devemos estar: junto
dos pobres. Primeiro São Vicente tenta convencer-nos da importância desta
virtude, depois, se tivermos interesse, podemos encontrar em seus escritos
sugestões de como praticá-la.
O meio de
possuir essas virtudes é a mortificação, que corta tudo quanto pode impedir-nos
de adquiri-la. E, em verdade, se não nos anima o espírito de mortificação, como
viveremos em comum? Não haverá sempre o que reclamar? Não há sempre algo que
nos choca nos diversos estados em que nos encontramos? Se não tivermos a
mortificação, estaremos em contínuas reclamações. De tal modo é necessário
possuir essa virtude que não poderíamos viver, repito, não poderíamos viver uns
com os outros, se nossos sentidos interiores e exteriores não forem
mortificados. E não só é necessário entre nós, mas ainda em relação ao povo de
quem tanto há que sofrer (SV XII, 312).
Coloquemos
nossos bons propósitos nas mãos do Senhor, rezando:
Senhor
Jesus[5],
Tu
nos chamas para seguir-te no teu caminho de cruz.
Tu
transtornas nossos sonhos e nossos projetos.
No
entanto, és a nossa paz.
Aceita-nos
com nossos medos e as hesitações do nosso coração.
Acolhe
nosso humilde amor, capaz apenas de dar-te o pouco que somos.
Converte-nos,
Senhor, e nós nos converteremos a ti,
Deixando-nos
conduzir aonde talvez não queiramos ir,
Mas
onde tu nos precedes e nos esperas,
para
fazer das pobres histórias de nossa vida e da nossa dor a tua história conosco.
7ª Meditação: A Virtude do Zelo
Queridos
Irmãos e Irmãs, o Senhor continua nos chamando para mais uma meditação em sua
presença, dedicando uma escuta atenta à sua voz no Silêncio e na Palavra. Ele
sempre nos precede no amor e na graça; toda palavra de nossos lábios, toda
prece de nosso coração é sempre uma resposta. Não desperdicemos a graça deste
tempo de oração! Aproveitemos para cuidar das coisas do Senhor segundo o seu
ritmo e não o nosso, deixemos que Ele nos mostre o que precisa ser rezado,
examinado e revitalizado. Sejamos dóceis ao Sopro de Deus. A virtude do zelo se expressava, no século
XVII, na preocupação com a salvação das almas. Para São Vicente, isso
significava o desejo de ver o Reino de Deus estabelecido, de modo que, ser
cristão era manifestar entusiasmo pelo anúncio deste Reino. O coração de Jesus
de Nazaré era cheio de zelo, por isso, vivia na itinerância, indo aos lugares
mais diferentes, mesmo que fossem perigosos e exigentes, porque desejava
anunciar a Boa Nova. O zelo é a virtude apostólica por excelência porque
compromete com a missão, impulsionando a disponibilidade e a mobilidade. O meu
zelo pela missão (que inclui disponibilidade, responsabilidade, mobilidade e
generosidade) revela a consciência e a maturidade da minha relação com o Senhor.
Palavra de Deus (1Cor 9, 16-17.19.23)
Anunciar o
Evangelho não é título de glória para mim; é antes, necessidade que se impõe.
Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho! Se o fizesse por iniciativa própria
teria direito a um salário; mas, já que o faço por imposição, desempenho um
encargo que me foi confiado. [...] Ainda que livre em relação a todos, fiz-me
servo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. [...] E, isto tudo, eu
o faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante.
O Ensinamento do Papa Francisco
Uma fé autêntica exige sempre um
desejo profundo de mudar o mundo. Eis a pergunta que nos devemos fazer: temos
também nós grandes visões e estímulos? Somos também nós audazes? O nosso sonho
voa alto? O zelo devora-nos (cf. Sl 69, 10)? Ou somos medíocres e
satisfazemo-nos com as nossas programações apostólicas de laboratório?
Recordemo-nos sempre disto: a força da Igreja não habita em si mesma nem na sua
capacidade organizativa, mas esconde-se nas águas profundas de Deus. E estas
águas agitam os nossos desejos e os desejos alargam o coração. É o que diz
Santo Agostinho: rezar para desejar e desejar para alargar o coração (Homilia
3/01/2014).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
O zelo
missionário deve ser entendido como o ardor, a diligência, o entusiasmo pela
obra da realização da evangelização e do serviço dos pobres. Zelo é o amor fiel
e perseverante que nos faz suportar e superar os desafios da missão. O Papa
Francisco denuncia a presença de apatia, cansaço, aburguesamento, preguiça,
pouca convicção e certo profissionalismo da parte dos evangelizadores. O último
capítulo da Evangelii Gaudium tem
como título “Evangelizadores com Espírito”, indicando evangelizadores que se
abrem sem medo à ação do Espírito Santo (EG, 259). Identifico em mim a virtude
do zelo? Ou será que me falta amor à missão e, portanto, faltam entusiasmo e
criatividade?
O zelo consiste
em um desejo puro de tornar-se agradável a Deus e útil ao próximo. Zelo por
estender o império de Deus, zelo por trabalhar na salvação do próximo. Existe
algo no mundo de mais perfeito? Se o amor de Deus é um fogo, o zelo é a sua
chama; se é um sol o zelo é o raio. O zelo é o que há de mais puro no amor de
Deus. Como teremos este espírito de simplicidade, de humildade e mansidão, se
não temos a mortificação que nos faz achar tudo bom? E como teremos a
mortificação sem o zelo que nos impele a levar como vencida toda sorte de
dificuldades, não só pela força da razão, mas pela força da graça, que faz com
que sintamos prazer em sofrer, sim prazer (SV XII, 313).
Depositando nas mãos de Deus nossa
vocação, peçamos que nos dê um coração generoso, ardente de zelo pela missão
que recebemos:
Ó
Cristo[6],
Para
poder servir-te melhor, dá-me um coração generoso.
Grande
em meu trabalho:
vendo
nele não uma imposição, mas a missão que me confias.
Grande
no sofrimento:
verdadeiro
soldado de minha cruz, verdadeiro Cirineu para a cruz dos outros.
Grande
no mundo:
compreensivo
com suas fragilidades, mas imune às suas máximas.
Grande
com as pessoas:
leal
para com todas, mas atento, principalmente, aos pequenos e humildes.
Um
coração grande para comigo mesma:
nunca
centrado em mim, sempre apoiado em Ti.
Principalmente,
um coração grande para contigo, ó meu Senhor,
feliz
de servir-te e de servir meus irmãos e irmãs, todos os dias de minha vida.
Amém!
8a Meditação: A Misericórdia como arquitrave[7] que
suporta a vida da Fraterna
A
fraternidade, assim como qualquer outra relação, precisa de momentos de
silêncio e reflexão para que a Palavra seja acolhida e esclareça, cure,
revigore e oriente as palavras que precisam ser ditas e as atitudes que devem ser
tomadas. Vamos mergulhar no coração da
Trindade, modelo de relação fraterna na qual imperam o amor, a misericórdia e a
diversidade. A Carta a Diogneto[8]
descreve os cristãos destacando que eles não se distinguem dos demais nem pela
sua terra, nem pela sua língua, nem pelos seus costumes. O que causa surpresa e
admiração é o seu modo de vida: “Amam a
todos, e por todos são perseguidos. (...) São amaldiçoados, e bendizem.
Injuriados, tributam honras. Fazem o bem e são castigados quais malfeitores.
(...) os que os odeiam não sabem dizer a causa desta inimizade. Para
simplificar, o que é a alma no corpo, são no mundo os cristãos”. Era o
testemunho de amor e misericórdia da comunidade cristã que impressionava,
atraía e anunciava, de fato, a Boa Nova trazida por Jesus. Não é à toa que o
Papa Francisco relembra que a misericórdia é a arquitrave da Igreja, ainda que
pareça ter sido esquecida ao longo dos anos. Uma Igreja, comunidade dos
cristãos, misericordiosa, servidora, acolhedora e em saída é o desejo e apelo
do Papa Francisco. Será que nossas comunidades, tais como a Igreja deve ser,
dão testemunho de misericórdia, acolhida, amor e serviço. Somos convidados, apesar
das contradições e incoerências que percebemos, a purificar nosso olhar,
redescobrir os sinais da presença de Deus em nossas comunidades e escolher o
amor, escolher amar-nos.
Palavra de Deus (Jo 13, 34-35; 15, 12-14)
Dou-vos um mandamento novo: que
vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros.
Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos se tiverdes amor uns pelos
outros. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei.
Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois
meus amigos se praticais o que vos mando.
O Ensinamento do Papa Francisco
“A arquitrave que suporta a vida
da Igreja é a misericórdia. A credibilidade da Igreja passa pela estrada do
amor misericordioso e compassivo. A Igreja «vive um desejo inexaurível de
oferecer misericórdia ». Talvez, demasiado tempo, nós tenhamos esquecido de apontar
e viver o caminho da misericórdia. Por um lado, a tentação de pretender sempre
e só a justiça fez esquecer que esta é apenas o primeiro passo, necessário e
indispensável, mas a Igreja precisa de ir mais além a fim de alcançar uma meta
mais alta e significativa. Por outro lado, é triste ver como a experiência do
perdão na nossa cultura vai rareando cada vez mais. Em certos momentos, até a
própria palavra parece desaparecer. Todavia, sem o testemunho do perdão, resta
apenas uma vida infecunda e estéril, como se se vivesse num deserto desolador”
(MV, 10).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
A vida fraterna é elemento
indispensável na vida do cristão para superar o egoísmo, o individualismo, a
amargura, o desânimo, a descrença e a intolerância que minam o ambiente
comunitário. É necessário promover mais o respeito, o crescimento na
maturidade, a corresponsabilidade, a alegria, a generosidade e a misericórdia
entre nós para que a comunidade cristã seja, realmente, um sustentáculo de
nossa vocação e seja um testemunho credível do valor das relações na Igreja.
É indispensável mesmo, minhas
boas Irmãs, pois, se não fosse assim, por quem teríeis amor? Sois Filhas da
Caridade, mas não o seríeis mais se vivêsseis no desentendimento, na aversão ou
na desconfiança umas das outras. Deus não permita que isso aconteça entre vós!
Isso é próprio das moças do mundo, que têm o espírito mal feito; mas o dever
das filhas de Nosso Senhor, que vivem e que o servem juntas e que não têm senão
a mesma intenção de serem agradáveis aos olhos de Deus, é se quererem bem umas
às outras, se suportarem, se respeitarem e se ajudarem mutuamente. Peço-vos,
minhas queridas Irmãs, que procedais desse modo, sem nunca vos queixar nem
murmurar, sem vos contradizer nem vos importunar; pois, infelizmente, se vos
contristásseis umas às outras, seria grande lástima. Já vos basta terdes de
sofrer da parte das pessoas de fora e pelas vossas tarefas, sem vos criardes,
dentro de casa, novas cruzes, que são as mais deploráveis e que fariam de vossa
casa um pequeno purgatório, ao passo que o amor fará dela um pequeno paraíso (
SV, A Companhia das Origens, documento nº 595).
Peçamos ao
Senhor que renove e abençoe nossa disposição em construir comunidades de fé que sejam casa e escola de comunhão e de
misericórdia:
Senhor Jesus,
Tu és o Caminho para
chegar ao Pai,
Tu és o Pastor que
nos conduz às fontes das águas da vida.
Dá-nos, te pedimos, a
liberdade do coração.
Não a aparente
liberdade de poder escolher isso ou aquilo,
mas a liberdade mais
profunda,
aquela feita de
sacrifícios e de oferecimentos ocultos,
aquela que nasce do
dom incondicionado, vivido nas tuas pegadas.
Faze que, livres na liberdade
do amor,
possamos ser, nesse
nosso tempo de vida mortal,
o povo da liberdade
que te procura,
antecipação e
garantia do Reino que vem.
Tu, que és a Aliança
em pessoa,
dá-nos viver com os
outros na tua Igreja
relacionamentos de
diálogo, livres e libertadores,
capazes de nos
revelar a nós mesmos e de realizar-nos
segundo o Coração de
Deus na escuta
e na obediência do
amor de toda a vida.
Amém.
(Bruno Forte)
9ª Meditação: Apóstolos da Caridade
Queridos Irmãos e Irmãs, nosso
coração, agradecido ao Senhor por estes dias de oração, nos quais mergulhamos
na intimidade com Ele, nosso olhar se volta para a comunidade e a missão que
desempenhamos em nossa vida. O Senhor nos precede em nossa “Galileia” pessoal –
lugar da missão, do encontro com os pobres, dos conflitos e das alegrias. Cada
uma de nós carrega consigo os apelos frutos de nossa oração e revisão de vida,
sintetizados num Projeto de Vida, nosso plano de voo, que deve orientar nossa
caminhada de fé. Partiremos como apóstolos, enviados por Deus, aquele que é a
Caridade. Vicente de Paulo sempre desejou que nossa vida fosse um prolongamento
da vida de Jesus, que quem olhasse para Ele visse algo semelhante em nós. Nosso
jeito de nos relacionarmos, nossa vida ao serviço dos pobres deve dar
testemunho do amor e da misericórdia de Deus, ajudando as pessoas a se
aproximarem d’Ele.
alavra de Deus (Lc 4, 17-21)
Foi entregue a
Jesus o livro do profeta Isaías; desenrolou-o, encontrando o lugar onde está
escrito: o Espírito do Senhor está sobre
mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me
para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para
restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor.
Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga
olhavam-no atentos. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu aos vossos
ouvidos esta passagem da Escritura”.
O Ensinamento do Papa Francisco
Evangelizar os pobres: esta é a
missão de Jesus, segundo o que ele diz; esta é, inclusive, a missão da Igreja,
e de cada batizado na Igreja. Ser cristão e ser missionário é a mesma coisa.
Anunciar o Evangelho, com a palavra e, antes ainda, com a vida, é a finalidade
principal da comunidade cristã e de cada um dos seus membros. [...] Jesus
dirige a Boa-Nova a todos, sem excluir ninguém, aliás, privilegiando os mais
distantes, os sofredores, os doentes, os descartados da sociedade.
Questionemo-nos o que significa evangelizar os pobres? Significa em primeiro
lugar aproximarmo-nos deles, significa ter a alegria de servi-los, de
libertá-los da opressão, e tudo isto em nome e com o Espírito de Cristo, porque
é ele o Evangelho de Deus, é ele a Misericórdia de Deus, é ele a libertação de
Deus, foi ele quem se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (Angelus, 24/01/2016).
Inspirando-nos no Carisma Vicentino
São Vicente nos convida a encarnar, em nossa ação missionária, uma
atitude dinâmica de apóstolos da caridade: ver, comover-se e agir.
- Esforço-me para VER a realidade
dos pobres e, mais ainda, o rosto concreto de cada um deles, tal como se
apresentam, ou limito-me a um olhar superficial, tendencioso e generalizante,
incapaz de chegar às raízes dos dramas individuais e coletivos?
- Quando sou capaz de COMOVER-ME,
deixo o sofrimento alheio “remexer as entranhas do meu coração”, sinto, de
fato, a dor do outro que está caído à beira do caminho, ou simplesmente sou
tomado por um sentimentalismo estéril?
- O olhar atento, que vai às
raízes mais profundas, e o coração que se debruça sobre a miséria do outro me
impelem a uma AÇÃO, entendida também como cuidado, para “fazer justiça ao
enfraquecido”, tornando-o protagonista de sua própria história?
Conferência de 06 de agosto de
[1656][9]: Sobre
o espírito de compaixão e de misericórdia:Quando vamos ver os pobres, devemos
entrar em seus sentimentos para sofrer com eles e colocar-nos nas disposições
daquele grande apóstolo que dizia:(1 Cor
9, 22), fiz-me tudo para todos; de forma que não recaia sobre nós a queixa
que fez outrora Nosso Senhor por um profeta: (Sl 68, 21), esperei para ver se alguém se compadecia de meus
sofrimentos, e não encontrei ninguém. Para isso, é preciso empenhar-nos em
enternecer nossos corações e torná-los sensíveis aos sofrimentos e misérias do próximo, pedindo a Deus que nos
dê o verdadeiro espírito de misericórdia, que é o espírito próprio de Deus; pois,
como diz a Igreja, é próprio de Deus fazer misericórdia e comunicar-nos esse
mesmo espírito. Peçamos, pois, a Deus, meus irmãos, que nos dê este espírito de
compaixão e de misericórdia, que nos encha dele, que no-lo conserve, de forma
que quem vir um missionário possa dizer: “Eis aqui um homem cheio de
misericórdia”. Pensemos um pouco na necessidade que temos de misericórdia, nós
que devemos exercitá-la para com os demais e levar a misericórdia a todos os
lugares, sofrendo tudo pela misericórdia.
Como cristãos, pedindo a Deus que nos faça apóstolos da caridade, rezemos
o Credo do Chamado:
Cremos que Deus nos escolheu em
Cristo, antes de criar o mundo,
para
sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor.
Cremos que aquele que nos escolheu, desde o seio materno,
nos chamou por sua graça e houve por bem
revelar a nós seu Filho
para
que o anunciássemos.
Cremos que fomos chamadas a ser apóstolos,
servos de Jesus Cristo, escolhidos para
anunciar o Evangelho de Deus.
Cremos que a cada um é dado uma manifestação do Espírito
para a utilidade de todos.
Cremos que devemos comportar-nos de maneira digna da vocação que recebemos:
com toda a humildade, mansidão e paciência,
e suportando-nos uns aos outros no amor.
Cremos que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são chamados segundo o seu
projeto.
Cremos que Deus, por meio do seu poder, que age em nós,
pode realizar em tudo infinitamente além do
que pedimos ou imaginamos.
Cremos e temos certeza de que Deus, que começou em nós esta boa obra,
há de
levá-la à perfeição, até o dia de Jesus Cristo;
porque Aquele que nos chamou é fiel.
Amém!
[1] FORTE,
Bruno. O mendicante do céu.
Petrópolis: Vozes, 2004, p.29
[2]
LARRAÑAGA, Ignacio. Encontro: manual de
oração. São Paulo: Loyola, 1992, p.64.
[3] YOUCAT: orações para jovens. São Paulo:
Paulus, 2012, p. 24
[4] YOUCAT: orações para jovens. São Paulo:
Paulus, 2012, p. 71.
[5] FORTE,
Bruno. O mendicante do céu. Petrópolis: Vozes, 2004, p.42.
[6] LARRAÑAGA,
Ignacio. Encontro: manual de oração.
São Paulo: Loyola, 1992, p.85.
[7] Segundo
o dicionário Houaiss: viga horizontal que repousa diretamente sobre colunas ou
pilares, transmitindo para seus pontos de apoio o peso de eventual pavimento
superior.
[8]
Documento do II século do cristianismo. A
Carta a Diogneto. Tradução: Abadia Santa Maria. Editora Vozes: Petrópolis,
2003.
[9] SV XI,
340-342.