quarta-feira, 22 de setembro de 2021

09 Reflexões Vicentinas para hoje


 

A fim de ajudar na preparação espiritual para a celebração litúrgica de São Vicente de Paulo, a ser realizada no dia 27 de setembro de 2021, a pastoral do Santuário do Caraça preparou um belo novenário. Pe Alexandre Nahass Franco, CM, elaborou o material, que poderá ser utilizado amplamente pelos padres, irmãos, seminaristas da PBCM, bem como por toda a Família Vicentina. A versão digital está disponível abaixo, em pdf. Rezemos juntos, vicentinos e vicentinas: 



1ª Meditação: Seguir Jesus Cristo

 

Queridos Irmãos e Irmãs, reunimo-nos enquanto Igreja para preparar-nos para celebrar a Festa de São de Vicente de Paulo. Acolhemos o convite do Senhor: “Vinde vós, sozinhos, a um lugar deserto e descansai um pouco” (Mc 6, 31), afinal, em nosso dia a dia, são tantos que chegam e partem, múltiplas solicitações, urgentes necessidades. É preciso retirar-nos, fazer uma pausa, escutar o Senhor, avaliar o caminho percorrido em relação à meta, projetar o novo percurso. O tema que orienta nossa reflexão durante estes dias são as Virtudes propostas por São Vicente de Paulo, fonte de vida e comunhão de amor. Que estas meditações nos preparem para estes dias, atuem em nosso interior e nos envie à missão!

 

Seguir Jesus Cristo é o projeto de nossa vida. Para isso, é preciso amá-lo e decidir-se a viver como Ele viveu, assimilando seu modo de pensar que determina suas decisões. A oração é o momento de intimidade com o Senhor, que nos ajuda a tomar consciência de sua presença e mudar nossa maneira de pensar.

 

Palavra de Deus (Mc 8,34-37)

Chamando a multidão, juntamente com seus discípulos, Jesus lhes disse: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida, a perderá; mas, o que perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará. Com efeito, que aproveita o homem ganhar o mundo inteiro, e arruinar sua própria vida? Pois, que daria o homem em troca da sua vida?

 

 

O Ensinamento do Papa Francisco

A vida de fé consiste no desejo de estar com o Senhor e, portanto, numa busca contínua do lugar onde Ele mora. Isto significa que somos chamados a superar uma religiosidade rotineira e óbvia, reavivando o encontro com Jesus na oração, na meditação da Palavra de Deus e na frequência dos Sacramentos, para estar com Ele e dar frutos graças a Ele, à sua ajuda, à sua dádiva. Procurar Jesus, encontrar Jesus, seguir Jesus: este é o caminho (Angelus 14/01/2018).

 

Inspirando-nos no Carisma Vicentino

O amor por Jesus levou a São Vicente a se comprometer a segui-lo, empenhando-o na conversão de sua mente, seu coração e suas ações para viver como Ele viveu.

Onde me encontro no seguimento de Jesus?  O amor que sinto por ele tem me levado a transformar minha vida? Em quê?

 

O espírito da Companhia consiste em se dar a Deus para amar Nosso Senhor e servi-lo na pessoa dos pobres, corporal e espiritualmente. [...] Sois suas filhas e Ele é vosso Pai; gerou-vos e deu-vos o seu espírito; pois quem visse a vida de Jesus Cristo veria coisa semelhante na Filha da Caridade. [...] Deveis, portanto, saber, minhas queridas Irmãs, que o espírito da Companhia consiste em três coisas: amar Nosso Senhor em espírito de humildade e simplicidade. Enquanto existir entre vós a caridade, a humildade e a simplicidade, poder-se-á dizer: “A Companhia da Caridade ainda vive”; mas, quando nela já não houver essas virtudes, poder-se-á dizer: “A pobre Caridade morreu”. Uma Filha da Caridade que não tiver humildade e caridade está morta, pois não tem seu espírito. [...] Repito ainda mais uma vez que o espírito da Companhia, minhas Irmãs, consiste no amor de Nosso Senhor, no amor dos pobres, no amor entre vós, na humildade e na simplicidade. Mais valia não haver mais Filhas da Caridade se entre vós não houvesse estas virtudes. (SV Conf. de 09/02/1653)

 

Concluamos nossa meditação rezando juntos esta bela oração de Bruno Forte, arcebispo de Chieti-Vasto, na Itália.

 

Pai Santo,

Tu, que me chamaste

ao deserto para falar-me na intimidade do coração,

Tu, contra quem lutei e venceste, faze que,

renunciando aos meus álibis e minhas defesas,

tenha finalmente a coragem de deixar-me amar por ti,

e deixar-me contemplar por teu olhar penetrante e criador.

Vem a mim com o fogo do teu Espírito Santo!

Que ele me configure ao teu Filho Jesus Cristo

nos mistérios de sua história de encarnação, morte e ressurreição.

Leva-me ao frescor das nascentes,

onde possa repousar o meu cansaço e a minha dor.

Teu Espírito seja para mim desejo, consolo e santa inquietação.

Quando o Espírito tiver inundado a ativa paciência de minha oração como,

um dia, inundou a acolhedora escuta da Virgem Mãe Maria,

então me sentirei em ti e sentirei que estás em mim com teu Filho,

e poderei, luz na luz, testemunhar-te a todos em ação de graças sem fim.

Amém![1]

 

 


2ª Meditação: A Virtude da Humildade

 

 Queridos Irmãos e Irmãs, mais uma vez nos colocamos na presença do Senhor que sempre nos precede e aguarda para nos ouvir e falar. Que Ele encontre nossos corações dispostos a acolher a boa semente de Sua Palavra e a fazê-la frutificar em boas obras.

        No Carisma Vicentino, o cultivo das virtudes tem um caráter missionário, isto é, para que sejamos apóstolos da caridade e bons cristãos como dizia São Vicente. Se para as Filhas da Caridade, três são as virtudes que compõem seu espírito, na Espiritualidade Vicentina (Humildade, Simplicidade e Caridade), em geral, foram assumidas as cinco virtudes dadas por Vicente de Paulo aos Missionários (Humildade, Simplicidade, Mortificação, Zelo e Mansidão). Ao longo destes dias, em que procuraremos impregnar nossa vida do Evangelho, vamos rezá-las procurando examinar nossa vida a fim de perceber como temos vivido cada uma delas. Começamos com aquela que São Vicente considerava a base de todo edifício espiritual: a humildade. Peçamos ao Senhor o seu Espírito para que nos dê um coração humilde como o d’Ele.

        Na tradição espiritual cristã, a humildade está relacionada à verdade. A pessoa humilde tem uma visão equilibrada de si mesma e dos outros, reconhecendo-se especialmente necessitada da bondade e da misericórdia do Senhor, sem o qual ela não poderia superar as lutas e cansaços do dia a dia. O humilde demonstra total confiança no Senhor, em quem deposita sua esperança; consciente de si e da realidade que o rodeia, não se preocupa com superficialidades passageiras, mas sim em viver uma vida na presença do Senhor que o conhece verdadeiramente.

 

Palavra de Deus (Filip 2, 1-5)

Pelo conforto que há em Cristo, pela consolação que há no amor, pela comunhão no Espírito, por toda ternura e compaixão, levai à plenitude minha alegria, pondo-vos acordes no mesmo sentimento, no mesmo amor, numa só alma, num só pensamento, nada fazendo por competição ou vanglória, mas com humildade, julgando cada um os outros superiores a si mesmo. Tende em vós o mesmo pensamento de Cristo Jesus.

 

O Ensinamento do Papa Francisco

Sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto. N’Ela, vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam maltratar os outros para se sentir importantes. Maria sabe reconhecer os vestígios do Espírito de Deus tanto nos grandes acontecimentos como naqueles que parecem imperceptíveis. É contemplativa do mistério de Deus no mundo, na história e na vida diária de cada um e de todos. É a mulher orante e trabalhadora em Nazaré, mas é também nossa Senhora da prontidão, a que sai «às pressas» (Lc 1, 39) da sua povoação para ir ajudar os outros. (EG, 288).

 

Inspirando-nos no Carisma Vicentino

A partir do serviço dos pobres, vemos que a humildade é uma virtude apostólica porque favorece a aproximação das pessoas, uma vez que a pessoa humilde não quer ser nem parecer mais ou diferente do que realmente é. Quem está no caminho da humildade é livre porque tem coragem de enfrentar a verdade sobre si mesma e reconciliar-se com sua realidade de ser humano. Somente quem se empenha em crescer na humildade é capaz de ser serva como Maria: instrumento dócil nas mãos de Deus para cumprir sua vontade.

 

Meu Salvador! Quando nascestes segundo a carne, logo vos constituístes nosso modelo; deste-nos o exemplo da humildade durante a vossa vida e quisestes aparecer aos olhos do mundo com o aspecto mais humilhante, o de criminoso. Quisestes apresentar-vos assim aos nossos olhos e que dissessem: “Aqui está o nosso Deus!”. A vossa humildade vai ao ponto de vos esconderdes sob espécies tão pobres, como as do pão e do vinho, e assim permaneceis durante tantos anos. Em todas as vossas obras pusestes o selo da humildade, da caridade, da obediência e da paciência e por isso quereis que vos imitemos nessas mesmas virtudes. A quem iremos para alcançarmos estas virtudes senão a vós, Senhor que sois a fonte de onde emana a humildade? (SV Conf. de 14/07/1658).

 

Entregando ao Senhor nossa vida, rezemos juntos a oração abaixo composta por Ignacio de Larrañaga[2]:

 

Senhor Jesus, manso e humilde,

desde o pó me sobe e domina esta sede insaciável de estima,

esta necessidade imperiosa de que todos me queiram bem.

Meu coração está cheio de delírios impossíveis.

Meu coração é soberbo.

Dá-me a graça da humildade, meu Senhor, manso e humilde de coração.

Grossas correntes prendem meu coração.

Este coração lança raízes, submete e apropria-se de tudo que sou e faço,

de tudo que me rodeia. E dessas apropriações vêm-me tanto susto e medo.

Infeliz de mim, proprietário de mim mesmo!

Dá-me a graça da humildade.

A graça de perdoar de coração.

A graça de aceitar a crítica e a contradição ou, ao menos,

de duvidar de mim mesmo quando me corrigirem.

Dá-me a graça de fazer tranquilamente a minha autocrítica.

A graça de me manter sereno nos desprezos, esquecimentos e indiferenças;

de sentir-me verdadeiramente feliz no anonimato;

de não fomentar autossatisfações nos sentimentos, palavras e atos.

Abre, Senhor, espaços livres dentro de mim

para que os possas ocupar Tu e meus irmãos.

Por fim, meu Senhor Jesus Cristo,

dá-me a graça de ir adquirindo paulatinamente um coração desprendido e vazio como o teu;

um coração manso, paciente e benigno.

Cristo Jesus, manso e humilde de coração, faze meu coração semelhante ao teu.

Amém!

 

 


 

3ª Meditação: A Virtude da Simplicidade

 

Queridos Irmãos e Irmãs, peçamos ao Senhor que nos ajude, a fim de que este tempo de meditação seja um caminho de oração e discernimento, que nos possibilite configurar nossa vida a Jesus Cristo, pela força da graça e iluminação da Palavra de Deus. Só assim seremos livres para tomar as decisões necessárias para melhor amar e servir o Senhor na história. A virtude da simplicidade que iremos rezar é uma das mais atrativas ao mundo de hoje porque, apesar das muitas mudanças em relação ao século XVII, a autenticidade, a integridade, a transparência ainda impactam as pessoas. Esta era a virtude que São Vicente mais amava, chamando-a de “meu Evangelho”. As pessoas admiram espontaneamente quem vive segundo o que diz; a duplicidade mina toda confiança, por isso tantas autoridades civis e religiosas estão desacreditadas. Ghandi dizia que há grande felicidade quando o que penso, digo e faço estão em harmonia. Será que nós experimentamos essa felicidade? Olhemos para Jesus de Nazaré, o grande modelo de simplicidade, de vida sem dobras e disfarces.

 

Palavra de Deus (Mt 10, 11-14.16)

Quando entrardes numa cidade ou povoado, procurai saber de alguém que seja digno e permanecei ali até vos retirardes do lugar. Ao entrardes na casa, saudai-a. E se for digna, desça a vossa paz sobre ela. Se não for digna, volte a vós a vossa paz. Eis que vos envio como ovelhas entre lobos. Por isso, sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas.

 

O Ensinamento do Papa Francisco

Com o desejo ardente de tornar Jesus conhecido aos pobres, Vicente de Paulo [...] utilizava de forma natural um “método simples”: falar, primeiramente por sua própria vida e, em seguida com uma grande simplicidade, de modo familiar e direto. O Espírito fez dele um instrumento que suscitou um impulso de generosidade na Igreja. São Vicente jamais quis ser um protagonista ou um líder, mas um “pequeno grão”. Ele estava convencido de que a humildade, a doçura e a simplicidade são condições essenciais para encarnar a lei da semente que morrendo gera vida (cf. Jo 12, 20-26), esta lei que, somente ela, torna a vida cristã fecunda, esta lei pela qual é dando que se recebe, encontra-se perdendo e irradia escondendo-se (Carta à Família Vicentina, 27/09/17).

 

Inspirando-nos no Carisma Vicentino

Para São Vicente a simplicidade nada tem a ver com simploriedade (ingenuidade), dificuldade de compreensão ou algo semelhante.  A pessoa simples não complica a vida, diz o que pensa e escuta o que o outro diz sem se melindrar ou se ofender “com tudo”. Sua honestidade é aliada à prudência. A integridade interior e a autenticidade dão liberdade para viver e conquistam a confiança dos pobres, por isso é uma virtude apostólica. Será que a compreensão que temos da simplicidade é como a de São Vicente de Paulo? Como a tenho praticado enquanto espírito próprio que sustenta minha vocação?

 

Quanto à outra parte da simplicidade, que concerne às ações, tem ela de próprio, como dissemos, o fato de levar a agir de modo transparente, honestamente, e sempre na presença de Deus, nos negócios, nos ministérios e exercícios de piedade, excluindo toda sorte de hipocrisia, artifício e vãs pretensões. Por exemplo, uma pessoa dá um presente a alguém e finge fazer isso por afeição. Faz, entretanto, a fim de receber alguma coisa de maior valor. Conforme o pensar do mundo, é isso permitido, e, talvez mesmo, que é segundo Deus. É, todavia, contra a simplicidade, que não pode suportar que demonstremos uma coisa e tenhamos outra em mente. Se essa virtude nos faz falar segundo os sentimentos interiores, nos faz também agir do mesmo modo, dentro da franqueza e retidão cristãs, e isso por Deus, porque é necessário termos esse fim” (SV XII, 177).

 

 

Coloquemos nossa vida nas mãos do Senhor, junto com as nossas intenções, pedindo a graça de viver na verdade.

 

Eu te louvo, ó Pai,

pela sede de verdade que imprimiste no fundo do meu coração.

Ela não se deixa enganar com vãs promessas,

soluções fáceis e frases vazias.

Eu te peço, ó Pai, que, comigo, olhes para a verdade da minha vida,

para tudo o que está certo e errado,

para tudo o que é verdadeiro e tudo o que é mentira,

para que o que tem sentido e tudo o que é oco.

Eu acredito em Ti, meu Pai!

Acredito que vens à minha vida, com a tua luz,

transformar a minha escuridão em claridade, e para mim és a verdade

que sacia toda a minha sede.

Amém!

 

Dörte Schrömges[3]

 

 


4ª Meditação: A Virtude da Caridade

 

Queridos Irmãos e Irmãs, peçamos ao Senhor que santifique nossos corações e nossos corpos, nossos sentimentos e pensamentos a fim de que vivamos no amor generoso e serviçal a Ele e a nossos irmãos e irmãs. A caridade consiste no amor a Deus e aos pobres, tal como Jesus o viveu; isto significa amar afetiva e efetivamente. São Vicente nos ensinou que o amor afetivo é a ternura do amor, aquele que aquece nossos corações, que provoca alegria e paz por estarmos com quem amamos. Contudo, um verdadeiro amor leva ao desejo de praticar atos que o expressem, pois é uma força que irradia. O verdadeiro amor nos abre para os outros, alivia o cansaço, conforta nas dificuldades e sustenta nossa perseverança na prática do bem. Caridade é ir ao encontro do outro em sua necessidade, seja ela qual for, mas agindo sempre com cordialidade, ternura e respeito. A caridade aproxima, tal como Deus se fez solidário com o ser humano, em seu sofrimento e solidão e, por isso, quem se reconhece como cristão não tem outro caminho senão o da proximidade e solidariedade com quem mais sofre. Não basta uma solidariedade, uma caridade expressas em palavras, mas que não se tornam referenciais e critérios de conduta. O amor a Deus e aos pobres são as lentes que usamos para olhar o mundo e o princípio que orienta nossas escolhas e convicções.

 

Palavra de Deus (1Cor 13, 4-8)

A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais passará.

 

 

O Ensinamento do Papa Francisco

De fato, a caridade não se contenta com os bons costumes do passado, mas sabe transformar o presente. Ela é cada vez mais necessária hoje, na complexa mudança de nossa sociedade globalizada onde certas formas de auxílio e de ajuda, mesmo que justificados por intenções generosas, podem alimentar formas de exploração e de ilegalidade e, não produzir progressos reais e sustentáveis. Por esta razão, imaginar a caridade, organizar a proximidade e investir na formação são os ensinamentos atuais que nos vêm de São Vicente. Mas seu exemplo nos encoraja ao mesmo tempo a dar espaço e tempo aos pobres, aos novos pobres do nosso tempo, aos demasiados pobres de hoje, a fazer nossos seus pensamentos e suas dificuldades. O cristianismo sem contato com aquele que sofre se torna um cristianismo desencarnado, incapaz de tocar a carne de Cristo. Encontrar os pobres, preferir os pobres, dar voz aos pobres a fim de que sua presença não seja reduzida ao silêncio pela cultura do transitório (Carta à Família Vicentina, 27/09/17).

 

Inspirando-nos no Carisma Vicentino

Ter uma vida orientada pela caridade que brota do coração de Cristo deve ser a finalidade de nossas vidas. Contudo, uma vez que a caridade é uma virtude a ser alcançada, é necessário abertura à graça e colaboração com ela. Vicente espera de nós empenho em fazer de nossa vida um prolongamento da vida de Jesus, aproveitando as ocasiões que temos para amá-lo. Agir com caridade, que supõe olhar misericordioso e lúcido para com as pessoas, a prática perseverante do perdão e a solicitude na prática do bem, transforma nossos corações e cria novas relações, fazendo acontecer o Reino.

 

Dai-me um homem que ama só a Deus, uma alma enlevada em contemplação que não pensa em seus irmãos, oh! essa pessoa experimentando um prazer muito agradável nessa maneira de amar a Deus, que lhe parece único amável, fica a saborear essa fonte infinita de doçura. Eis um outro que ama o próximo, mas que o ama por amor de Deus. Qual é, pergunto-vos, desses amores o mais puro e o menos interessado? Sem dúvida é o segundo; e assim cumpre a lei mais perfeitamente. Ama a Deus e o próximo. Que mais pode fazer? O primeiro só ama a Deus, mas o outro a ambos consagra o seu amor. Devemos dar-nos inteiramente a Deus para gravar essas verdades em nossas almas, dirigir nossa vida segundo este espírito e realizar as obras desse amor (SV XII, 266).

 

Rezemos com São Vicente de Paulo:

 

Ó Salvador,

como sou feliz por permanecer em um estado de amor para com o próximo,

em um estado que vos fala por si mesmo,

rogo-vos e apresento-vos, incessantemente, o que faço em seu favor!

Dai-me a graça de entender minha felicidade

e de amar profundamente esse bem - aventurado estado.

Possa eu contribuir para que brilhe essa virtude na Companhia agora, amanhã e sempre.

Amém!

(SV XII, 280)

 

 


5ª Meditação: A Virtude da Mansidão

 

Queridos Irmãos e Irmãs, do Senhor recebemos a graça para viver mergulhados em seu amor, acolhidos por sua misericórdia e sustentados por sua bondade. Peçamos ao Senhor que este tempo de oração nos ajude a bem examinar nossa consciência e nosso coração para identificarmos o que é obstáculo à ação divina e nos comprometermos com gestos concretos de conversão para sermos autênticas testemunhas da Caridade. A virtude da mansidão é indicada por São Vicente com relação ao modo de tratar os pobres e as pessoas. Ela pode ser traduzida como ternura e amabilidade nas palavras e gestos que abrem as portas dos corações, suscitando boa disposição para acolher o que vai ser dito; portanto, é importante na pastoral. Vicente de Paulo a considerava essencial para evangelizar o mundo dos pobres. Além disso, a prática da mansidão faz-nos alcançar o equilíbrio pessoal e torna a convivência agradável. Para ser efetiva, a mansidão deve ser aliada à firmeza e nunca ser confundida com debilidade, covardia ou acomodação. Geralmente, a pessoa mansa é a mais firme, pois recusa a agressividade exterior através da “violência” interior para modificar um instinto ou reação (cf. Mt 11, 11-12). Jesus soube viver esta virtude que atrai os corações para Deus. Encontrar o equilíbrio entre a ira e a excessiva brandura é um grande desafio diante das situações de injustiça e opressão, quando se é ofendido ou oprimido. O manso por excelência é Cristo que recusou dar vazão à cólera e soube expressar a ira de maneira construtiva, como expressão de indignação e para fazer com que outros se despertem diante do mal cometido. Devemos perguntar-nos qual é a marca do nosso modo de nos relacionarmos com as pessoas: somos equilibradas, afáveis e firmes? Ou será que demonstramos certa agressividade ou debilidade em nosso apostolado e nas relações?

 

 

Palavra de Deus (Mt 11, 28-29)

Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas, pois meu jugo é suave e meu fardo é leve.

 

 

O Ensinamento do Papa Francisco

«Bem-aventurados os mansos». Quanto a nós, ao contrário, quantas vezes somos impacientes, nervosos, sempre prontos para reclamar! Temos tantas pretensões em relação aos outros, mas quando nos tocam, reagimos erguendo a voz, como se fôssemos os senhores do mundo, enquanto na realidade somos todos filhos de Deus. Pensemos sobretudo naquelas mães e naqueles pais que são tão pacientes com os seus filhos, que «os perturbam». Este é o caminho do Senhor: a vereda da mansidão e da paciência. O próprio Jesus percorreu esta senda: quando era criança suportou a perseguição e o exílio; mais tarde, quando era adulto, as calúnias, as ciladas, as falsas acusações no tribunal; e suportou tudo com mansidão. E por amor a nós, chegou a suportar inclusive a cruz (Homilia, 1°/11/2015).

 

Inspirando-nos no Carisma Vicentino

Na ética vicentina a mansidão é uma virtude que ajuda na constância na prática das boas obras, já que a cólera tende a tornar a pessoa instável. Ela favorece a aproximação dos outros, especialmente, quando se cometeu um erro, e a evangelização dos pobres. Para São Vicente, a vivência desta virtude ajuda a controlar a ira, torna nossos gestos e ações cordiais e ensina a sofrer as ofensas com generosidade, perdoando quem nos ofende. Como vemos é uma virtude fundamental no relacionamento. Compreendo bem esta virtude? Como ela está presente em minha vida?

 

Não há pessoas mais constantes e mais firmes no bem do que as que são mansas e afáveis. Pelo contrário, as que se deixam arrastar pela cólera e pelas paixões do apetite irascível, são ordinariamente muito inconstantes, porque só agem por repentes e ímpetos. São como torrentes que só têm força e impetuosidade nas cheias, mas secam depois que escoaram, ao passo que os ribeiros, que representam as pessoas afáveis, escoam, lentamente, sem barulho, com tranquilidade, mas não secam nunca (SV XI, 66). O segundo ato de mansidão é ter uma grande afabilidade, cordialidade e serenidade de rosto para com as pessoas que tratam conosco, de sorte a lhes servirmos de consolação. Daí provém que alguns, com maneiras risonhas e agradáveis, contentam todo mundo. Deus os dotou com esta graça de um acesso cordial, amável e brando, pelo qual parecem vos oferecer o coração e pedir o vosso. Outros, pelo contrário, grosseiros como eu, se apresentam com o semblante fechado, triste ou rebarbativo; isto é contra a mansidão (SV XII, 192).

 

Concluamos esta colocação, pedindo ao Senhor, nas palavras de Pierre Olivaint[4], que Ele cresça e que nós diminuamos para que nosso coração seja mais semelhante ao d’Ele.

 

Cresce, Jesus, cresce em mim.

No meu espírito, no meu coração,

na minha imaginação, nos meus sentidos.

Cresce em mim na Tua mansidão, na Tua pureza,

na Tua humildade, no Teu zelo, no Teu amor.

Cresce em mim, com a Tua bênção, a Tua luz e a Tua paz.

Cresce em mim para a glória do Teu Pai, para a maior honra de Deus.

Amém!

 

 


6ª Meditação: A Virtude da Mortificação

 

Queridos Irmãos e Irmãs, deixemos que o Senhor trabalhe em nós, como o grande Artesão que é, para que nossos olhos se abram para contemplar a obra que Ele realiza e ver as necessidades das pessoas, que os nossos ouvidos escutem sua Palavra e o clamor dos Pobres, que nossa inteligência compreenda seus apelos e nosso coração sempre o procure e encontre em todas as coisas. A mortificação é frequentemente vista como algo contrário ao processo de valorização de nossa humanidade, sendo associada ao dolorismo. A palavra mortificação está relacionada ao texto paulino de Rm 8,13 que fala em “fazer morrer” as obras do corpo ou da carne como aquelas obras contrárias ao Espírito de Deus. Esta virtude tem por finalidade nos tornar mais livres e saudáveis para servir, isto é, a mortificação tem em vista reconstruir nossa personalidade submetendo nossas paixões e vícios à caridade de Cristo. Não podemos iludir-nos: sem sacrifício, sem mortificação (ou ascese) não converteremos nossos corações nem adquiriremos as virtudes que imprimem em nós a semelhança com o Filho. É preciso trabalhar sobre si mesmo, é preciso lembrar que há disciplinas que guardam o coração. Somente a pessoa humilde reconhece que precisa de ajuda para crescer e amadurecer. No longo e lento, portanto profundo, processo de conversão são imprescindíveis a graça de Deus, a vontade pessoal e a busca dos meios adequados; estes últimos fazem morrer em nós os obstáculos à graça e a resistência de nossa vontade. Será que nos reconhecemos necessitados de ajuda ou a arrogância já nos cegou?

 

Palavra de Deus (Ef 4, 20-23)

Vós, porém, não aprendeste assim com Cristo, se realmente o ouvistes e, como é a verdade em Jesus, nele fostes ensinados a remover o vosso modo de vida anterior -  o homem velho, que se corrompe ao sabor das concupiscências enganosas – e a renovar-vos pela transformação espiritual da vossa mente, e revestir-vos do Homem Novo, criado segundo Deus, já justiça e santidade da verdade.

 

 

O Ensinamento do Papa Francisco

Até mesmo a ascética pode ser mundana. Mas, ao contrário, deve ser profética. Quando eu entrei no noviciado dos jesuítas, eles me deram o cilício. Tudo bem com o cilício também, mas atenção: ele não deve me ajudar a demonstrar como sou bom e forte. A verdadeira ascese deve me fazer mais livre. Eu acho que o jejum é algo que conserva atualidade: mas como eu faço o jejum? Simplesmente não comendo? Santa Teresinha também tinha outro modo: nunca dizia o que lhe agradava. Não se lamentava e tomava tudo que lhe davam. Há uma ascese cotidiana, pequena, que é uma mortificação constante. Vem à mente uma frase de Santo Inácio que ajuda a ser mais livre e feliz. Ele dizia que, para seguir o Senhor, a mortificação ajuda em todas as coisas possíveis. Se uma coisa ajuda você, faça-a, até mesmo o cilício! Mas somente se ajuda você a ser mais livre, não serve para que você mostre a si mesmo que é forte (88ª Assembleia Geral da USG -13/02/ 2017).

 

Inspirando-nos no Carisma Vicentino

Para São Vicente é preciso morrer para viver. É preciso fazer bom uso do sofrimento e da dificuldade porque a mortificação é condição para a liberdade interior, pois sem ela somos escravos das paixões, do desânimo e das mutáveis inclinações de nosso humor. É necessária certa dose de mortificação para perseverar nos compromissos da missão, quando as pessoas, os lugares e os trabalhos não agradam nossa sensibilidade mesmo que saibamos que estamos onde devemos estar: junto dos pobres. Primeiro São Vicente tenta convencer-nos da importância desta virtude, depois, se tivermos interesse, podemos encontrar em seus escritos sugestões de como praticá-la.

 

O meio de possuir essas virtudes é a mortificação, que corta tudo quanto pode impedir-nos de adquiri-la. E, em verdade, se não nos anima o espírito de mortificação, como viveremos em comum? Não haverá sempre o que reclamar? Não há sempre algo que nos choca nos diversos estados em que nos encontramos? Se não tivermos a mortificação, estaremos em contínuas reclamações. De tal modo é necessário possuir essa virtude que não poderíamos viver, repito, não poderíamos viver uns com os outros, se nossos sentidos interiores e exteriores não forem mortificados. E não só é necessário entre nós, mas ainda em relação ao povo de quem tanto há que sofrer (SV XII, 312).

 

Coloquemos nossos bons propósitos nas mãos do Senhor, rezando:

 

Senhor Jesus[5],

Tu nos chamas para seguir-te no teu caminho de cruz.

Tu transtornas nossos sonhos e nossos projetos.

No entanto, és a nossa paz.

Aceita-nos com nossos medos e as hesitações do nosso coração.

Acolhe nosso humilde amor, capaz apenas de dar-te o pouco que somos.

Converte-nos, Senhor, e nós nos converteremos a ti,

Deixando-nos conduzir aonde talvez não queiramos ir,

Mas onde tu nos precedes e nos esperas,

para fazer das pobres histórias de nossa vida e da nossa dor a tua história conosco.

 

 


7ª Meditação: A Virtude do Zelo

 

Queridos Irmãos e Irmãs, o Senhor continua nos chamando para mais uma meditação em sua presença, dedicando uma escuta atenta à sua voz no Silêncio e na Palavra. Ele sempre nos precede no amor e na graça; toda palavra de nossos lábios, toda prece de nosso coração é sempre uma resposta. Não desperdicemos a graça deste tempo de oração! Aproveitemos para cuidar das coisas do Senhor segundo o seu ritmo e não o nosso, deixemos que Ele nos mostre o que precisa ser rezado, examinado e revitalizado. Sejamos dóceis ao Sopro de Deus.  A virtude do zelo se expressava, no século XVII, na preocupação com a salvação das almas. Para São Vicente, isso significava o desejo de ver o Reino de Deus estabelecido, de modo que, ser cristão era manifestar entusiasmo pelo anúncio deste Reino. O coração de Jesus de Nazaré era cheio de zelo, por isso, vivia na itinerância, indo aos lugares mais diferentes, mesmo que fossem perigosos e exigentes, porque desejava anunciar a Boa Nova. O zelo é a virtude apostólica por excelência porque compromete com a missão, impulsionando a disponibilidade e a mobilidade. O meu zelo pela missão (que inclui disponibilidade, responsabilidade, mobilidade e generosidade) revela a consciência e a maturidade da minha relação com o Senhor.

 

Palavra de Deus (1Cor 9, 16-17.19.23)

Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; é antes, necessidade que se impõe. Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho! Se o fizesse por iniciativa própria teria direito a um salário; mas, já que o faço por imposição, desempenho um encargo que me foi confiado. [...] Ainda que livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. [...] E, isto tudo, eu o faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante.

 

O Ensinamento do Papa Francisco

Uma fé autêntica exige sempre um desejo profundo de mudar o mundo. Eis a pergunta que nos devemos fazer: temos também nós grandes visões e estímulos? Somos também nós audazes? O nosso sonho voa alto? O zelo devora-nos (cf. Sl 69, 10)? Ou somos medíocres e satisfazemo-nos com as nossas programações apostólicas de laboratório? Recordemo-nos sempre disto: a força da Igreja não habita em si mesma nem na sua capacidade organizativa, mas esconde-se nas águas profundas de Deus. E estas águas agitam os nossos desejos e os desejos alargam o coração. É o que diz Santo Agostinho: rezar para desejar e desejar para alargar o coração (Homilia 3/01/2014).


Inspirando-nos no Carisma Vicentino

O zelo missionário deve ser entendido como o ardor, a diligência, o entusiasmo pela obra da realização da evangelização e do serviço dos pobres. Zelo é o amor fiel e perseverante que nos faz suportar e superar os desafios da missão. O Papa Francisco denuncia a presença de apatia, cansaço, aburguesamento, preguiça, pouca convicção e certo profissionalismo da parte dos evangelizadores. O último capítulo da Evangelii Gaudium tem como título “Evangelizadores com Espírito”, indicando evangelizadores que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo (EG, 259). Identifico em mim a virtude do zelo? Ou será que me falta amor à missão e, portanto, faltam entusiasmo e criatividade?

 

O zelo consiste em um desejo puro de tornar-se agradável a Deus e útil ao próximo. Zelo por estender o império de Deus, zelo por trabalhar na salvação do próximo. Existe algo no mundo de mais perfeito? Se o amor de Deus é um fogo, o zelo é a sua chama; se é um sol o zelo é o raio. O zelo é o que há de mais puro no amor de Deus. Como teremos este espírito de simplicidade, de humildade e mansidão, se não temos a mortificação que nos faz achar tudo bom? E como teremos a mortificação sem o zelo que nos impele a levar como vencida toda sorte de dificuldades, não só pela força da razão, mas pela força da graça, que faz com que sintamos prazer em sofrer, sim prazer (SV XII, 313).

 

             Depositando nas mãos de Deus nossa vocação, peçamos que nos dê um coração generoso, ardente de zelo pela missão que recebemos:

 

Ó Cristo[6],

Para poder servir-te melhor, dá-me um coração generoso.

Grande em meu trabalho:

vendo nele não uma imposição, mas a missão que me confias.

Grande no sofrimento:

verdadeiro soldado de minha cruz, verdadeiro Cirineu para a cruz dos outros.

Grande no mundo:

compreensivo com suas fragilidades, mas imune às suas máximas.

Grande com as pessoas:

leal para com todas, mas atento, principalmente, aos pequenos e humildes.

Um coração grande para comigo mesma:

nunca centrado em mim, sempre apoiado em Ti.

Principalmente, um coração grande para contigo, ó meu Senhor,

feliz de servir-te e de servir meus irmãos e irmãs, todos os dias de minha vida.

Amém!

 

 

 


8a Meditação: A Misericórdia como arquitrave[7] que suporta a vida da Fraterna

 

A fraternidade, assim como qualquer outra relação, precisa de momentos de silêncio e reflexão para que a Palavra seja acolhida e esclareça, cure, revigore e oriente as palavras que precisam ser ditas e as atitudes que devem ser tomadas.  Vamos mergulhar no coração da Trindade, modelo de relação fraterna na qual imperam o amor, a misericórdia e a diversidade. A Carta a Diogneto[8] descreve os cristãos destacando que eles não se distinguem dos demais nem pela sua terra, nem pela sua língua, nem pelos seus costumes. O que causa surpresa e admiração é o seu modo de vida: “Amam a todos, e por todos são perseguidos. (...) São amaldiçoados, e bendizem. Injuriados, tributam honras. Fazem o bem e são castigados quais malfeitores. (...) os que os odeiam não sabem dizer a causa desta inimizade. Para simplificar, o que é a alma no corpo, são no mundo os cristãos”. Era o testemunho de amor e misericórdia da comunidade cristã que impressionava, atraía e anunciava, de fato, a Boa Nova trazida por Jesus. Não é à toa que o Papa Francisco relembra que a misericórdia é a arquitrave da Igreja, ainda que pareça ter sido esquecida ao longo dos anos. Uma Igreja, comunidade dos cristãos, misericordiosa, servidora, acolhedora e em saída é o desejo e apelo do Papa Francisco. Será que nossas comunidades, tais como a Igreja deve ser, dão testemunho de misericórdia, acolhida, amor e serviço. Somos convidados, apesar das contradições e incoerências que percebemos, a purificar nosso olhar, redescobrir os sinais da presença de Deus em nossas comunidades e escolher o amor, escolher amar-nos.

 

Palavra de Deus (Jo 13, 34-35; 15, 12-14)

Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos se tiverdes amor uns pelos outros. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos se praticais o que vos mando.

 

O Ensinamento do Papa Francisco

“A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia. A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo. A Igreja «vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia ». Talvez, demasiado tempo, nós tenhamos esquecido de apontar e viver o caminho da misericórdia. Por um lado, a tentação de pretender sempre e só a justiça fez esquecer que esta é apenas o primeiro passo, necessário e indispensável, mas a Igreja precisa de ir mais além a fim de alcançar uma meta mais alta e significativa. Por outro lado, é triste ver como a experiência do perdão na nossa cultura vai rareando cada vez mais. Em certos momentos, até a própria palavra parece desaparecer. Todavia, sem o testemunho do perdão, resta apenas uma vida infecunda e estéril, como se se vivesse num deserto desolador” (MV, 10).

 

Inspirando-nos no Carisma Vicentino

A vida fraterna é elemento indispensável na vida do cristão para superar o egoísmo, o individualismo, a amargura, o desânimo, a descrença e a intolerância que minam o ambiente comunitário. É necessário promover mais o respeito, o crescimento na maturidade, a corresponsabilidade, a alegria, a generosidade e a misericórdia entre nós para que a comunidade cristã seja, realmente, um sustentáculo de nossa vocação e seja um testemunho credível do valor das relações na Igreja.

 

É indispensável mesmo, minhas boas Irmãs, pois, se não fosse assim, por quem teríeis amor? Sois Filhas da Caridade, mas não o seríeis mais se vivêsseis no desentendimento, na aversão ou na desconfiança umas das outras. Deus não permita que isso aconteça entre vós! Isso é próprio das moças do mundo, que têm o espírito mal feito; mas o dever das filhas de Nosso Senhor, que vivem e que o servem juntas e que não têm senão a mesma intenção de serem agradáveis aos olhos de Deus, é se quererem bem umas às outras, se suportarem, se respeitarem e se ajudarem mutuamente. Peço-vos, minhas queridas Irmãs, que procedais desse modo, sem nunca vos queixar nem murmurar, sem vos contradizer nem vos importunar; pois, infelizmente, se vos contristásseis umas às outras, seria grande lástima. Já vos basta terdes de sofrer da parte das pessoas de fora e pelas vossas tarefas, sem vos criardes, dentro de casa, novas cruzes, que são as mais deploráveis e que fariam de vossa casa um pequeno purgatório, ao passo que o amor fará dela um pequeno paraíso ( SV, A Companhia das Origens, documento nº 595).

 

Peçamos ao Senhor que renove e abençoe nossa disposição em construir comunidades de fé  que sejam casa e escola de comunhão e de misericórdia:

 

Senhor Jesus,

Tu és o Caminho para chegar ao Pai,

Tu és o Pastor que nos conduz às fontes das águas da vida.

Dá-nos, te pedimos, a liberdade do coração.

Não a aparente liberdade de poder escolher isso ou aquilo,

mas a liberdade mais profunda,

aquela feita de sacrifícios e de oferecimentos ocultos,

aquela que nasce do dom incondicionado, vivido nas tuas pegadas.

Faze que, livres na liberdade do amor,

possamos ser, nesse nosso tempo de vida mortal,

o povo da liberdade que te procura,

antecipação e garantia do Reino que vem.

Tu, que és a Aliança em pessoa,

dá-nos viver com os outros na tua Igreja

relacionamentos de diálogo, livres e libertadores,

capazes de nos revelar a nós mesmos e de realizar-nos

segundo o Coração de Deus na escuta

e na obediência do amor de toda a vida.

Amém.

 

(Bruno Forte)

 

 


9ª Meditação: Apóstolos da Caridade

 

            Queridos Irmãos e Irmãs, nosso coração, agradecido ao Senhor por estes dias de oração, nos quais mergulhamos na intimidade com Ele, nosso olhar se volta para a comunidade e a missão que desempenhamos em nossa vida. O Senhor nos precede em nossa “Galileia” pessoal – lugar da missão, do encontro com os pobres, dos conflitos e das alegrias. Cada uma de nós carrega consigo os apelos frutos de nossa oração e revisão de vida, sintetizados num Projeto de Vida, nosso plano de voo, que deve orientar nossa caminhada de fé. Partiremos como apóstolos, enviados por Deus, aquele que é a Caridade. Vicente de Paulo sempre desejou que nossa vida fosse um prolongamento da vida de Jesus, que quem olhasse para Ele visse algo semelhante em nós. Nosso jeito de nos relacionarmos, nossa vida ao serviço dos pobres deve dar testemunho do amor e da misericórdia de Deus, ajudando as pessoas a se aproximarem d’Ele.

 

alavra de Deus (Lc 4, 17-21)

Foi entregue a Jesus o livro do profeta Isaías; desenrolou-o, encontrando o lugar onde está escrito: o Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor. Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga olhavam-no atentos. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos esta passagem da Escritura”.

 

O Ensinamento do Papa Francisco

Evangelizar os pobres: esta é a missão de Jesus, segundo o que ele diz; esta é, inclusive, a missão da Igreja, e de cada batizado na Igreja. Ser cristão e ser missionário é a mesma coisa. Anunciar o Evangelho, com a palavra e, antes ainda, com a vida, é a finalidade principal da comunidade cristã e de cada um dos seus membros. [...] Jesus dirige a Boa-Nova a todos, sem excluir ninguém, aliás, privilegiando os mais distantes, os sofredores, os doentes, os descartados da sociedade. Questionemo-nos o que significa evangelizar os pobres? Significa em primeiro lugar aproximarmo-nos deles, significa ter a alegria de servi-los, de libertá-los da opressão, e tudo isto em nome e com o Espírito de Cristo, porque é ele o Evangelho de Deus, é ele a Misericórdia de Deus, é ele a libertação de Deus, foi ele quem se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (Angelus, 24/01/2016).

 

 

Inspirando-nos no Carisma Vicentino

São Vicente nos convida a encarnar, em nossa ação missionária, uma atitude dinâmica de apóstolos da caridade: ver, comover-se e agir.

- Esforço-me para VER a realidade dos pobres e, mais ainda, o rosto concreto de cada um deles, tal como se apresentam, ou limito-me a um olhar superficial, tendencioso e generalizante, incapaz de chegar às raízes dos dramas individuais e coletivos?

- Quando sou capaz de COMOVER-ME, deixo o sofrimento alheio “remexer as entranhas do meu coração”, sinto, de fato, a dor do outro que está caído à beira do caminho, ou simplesmente sou tomado por um sentimentalismo estéril?

- O olhar atento, que vai às raízes mais profundas, e o coração que se debruça sobre a miséria do outro me impelem a uma AÇÃO, entendida também como cuidado, para “fazer justiça ao enfraquecido”, tornando-o protagonista de sua própria história?  

 

Conferência de 06 de agosto de [1656][9]: Sobre o espírito de compaixão e de misericórdia:Quando vamos ver os pobres, devemos entrar em seus sentimentos para sofrer com eles e colocar-nos nas disposições daquele grande apóstolo que dizia:(1 Cor 9, 22), fiz-me tudo para todos; de forma que não recaia sobre nós a queixa que fez outrora Nosso Senhor por um profeta: (Sl 68, 21), esperei para ver se alguém se compadecia de meus sofrimentos, e não encontrei ninguém. Para isso, é preciso empenhar-nos em enternecer nossos corações e torná-los sensíveis aos sofrimentos e  misérias do próximo, pedindo a Deus que nos dê o verdadeiro espírito de misericórdia, que é o espírito próprio de Deus; pois, como diz a Igreja, é próprio de Deus fazer misericórdia e comunicar-nos esse mesmo espírito. Peçamos, pois, a Deus, meus irmãos, que nos dê este espírito de compaixão e de misericórdia, que nos encha dele, que no-lo conserve, de forma que quem vir um missionário possa dizer: “Eis aqui um homem cheio de misericórdia”. Pensemos um pouco na necessidade que temos de misericórdia, nós que devemos exercitá-la para com os demais e levar a misericórdia a todos os lugares, sofrendo tudo pela misericórdia.

 

Como cristãos, pedindo a Deus que nos faça apóstolos da caridade, rezemos o Credo do Chamado:


Cremos que Deus nos escolheu em Cristo, antes de criar o mundo,

 para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor.
Cremos que aquele que nos escolheu, desde o seio materno,

nos chamou por sua graça e houve por bem revelar a nós seu Filho

 para que o anunciássemos.
Cremos que fomos chamadas a ser apóstolos,

servos de Jesus Cristo, escolhidos para anunciar o Evangelho de Deus.
Cremos que a cada um é dado uma manifestação do Espírito

para a utilidade de todos.
Cremos que devemos comportar-nos de maneira digna da vocação que recebemos:

com toda a humildade, mansidão e paciência, e suportando-nos uns aos outros no amor.
Cremos que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus,

daqueles que são chamados segundo o seu projeto.
Cremos que Deus, por meio do seu poder, que age em nós,

pode realizar em tudo infinitamente além do que pedimos ou imaginamos.
Cremos e temos certeza de que Deus, que começou em nós esta boa obra,

 há de levá-la à perfeição, até o dia de Jesus Cristo;

porque Aquele que nos chamou é fiel.
Amém!

 

Fonte: PBCM

Textos: Pe. Alexandre Nahass, CM

Fotos: Pe. Lauro Palú, CM

 

 



[1] FORTE, Bruno. O mendicante do céu. Petrópolis: Vozes, 2004, p.29

[2] LARRAÑAGA, Ignacio. Encontro: manual de oração. São Paulo: Loyola, 1992, p.64.

[3] YOUCAT: orações para jovens. São Paulo: Paulus, 2012, p. 24

[4] YOUCAT: orações para jovens. São Paulo: Paulus, 2012, p. 71.

[5] FORTE, Bruno.  O mendicante do céu. Petrópolis: Vozes, 2004, p.42.

[6] LARRAÑAGA, Ignacio. Encontro: manual de oração. São Paulo: Loyola, 1992, p.85.

[7] Segundo o dicionário Houaiss: viga horizontal que repousa diretamente sobre colunas ou pilares, transmitindo para seus pontos de apoio o peso de eventual pavimento superior.

[8] Documento do II século do cristianismo. A Carta a Diogneto. Tradução: Abadia Santa Maria. Editora Vozes: Petrópolis, 2003.

[9] SV XI, 340-342.