Resumo do livro:
“São Vicente de Paulo
e o Carisma da Caridade”
Logo na introdução o autor evoca
uma frase relativamente forte: “O povo
morre de fome e se condena” (p. iii); de forma que se o leitor tem
conhecimentos prévios sobre a vida e obra de São Vicente de Paulo, ligará a
triste afirmativa com as três felizes fundações do Santo: A Associação
Internacional da Caridade, com o suprimento da necessidade primária do faminto,
alimentando-o, não de qualquer forma, mas instruindo para o exercício de uma
caridade organizada; a Congregação da Missão, com a evangelização dos mais
pobres; e as Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo que impelidas pelo amor
de Cristo Crucificado não vacilam em acudir o oprimido, como bombeiro a apagar
chamas.
O capítulo primeiro: “A Conversão à
Caridade” o autor não se preocupa em narrar fatos da juventude de Vicente, apenas
o situa no tempo (1581) e no lugar (Puiy, França), porém faz questão de deixar
claro que não consta nada de extraordinário em sua infância, e arremata: “foi
um Santo que nunca escutou ‘vozes’”. (p. 1)
Por mostrar-se uma criança inteligente,
o pai o envia a estudar na cidade grande, ele consegue a ordenação aos 19 anos,
quando passou a buscar uma boa colocação, viajou à Roma, voltou a Paris ali
começou a trabalhar como esmoler da mulher de Henrique IV, onde “dava esmolas,
mas não fazia caridade, enchia as mãos, mas não os corações”. (p. 7) O fato de
conhecer a realidade dos pobres, ter sido acusado injustamente de um roubo e o contato
com um teólogo tentado contra a fé foram decisivos para sua conversão.
Em 1612 lhe foi confiada a paróquia
de Clichy, onde se sentia realizado em seu trabalho e também conheceu seu
futuro irmão de congregação Antônio Portai. Depois de um ano na paróquia,
retornou a Paris para junto dos Gondi. Época em que São Vicente já se decidira
por Deus e por acolher a Sua santa vontade em sua vida.
Além de preceptor e conselheiro, o
Santo também celebrava nas terras de seus patrões. Foi em uma das pregações na
igreja de Folleville – “o primeiro sermão das missões,” realizado após a
confissão geral de um senhor, que São Vicente viu como as almas dos camponeses
estavam abandonadas e percebeu que já não podia ficar nos palácios, de forma
que seguiu a Chatillon-les-Dombes, onde também atuou como pároco.
Nessa paróquia, certo dia, quando
se paramentava para celebrar a eucaristia, foi informado de “que, numa família,
todos estavam doentes e não tinham nada para viver” (p. 18). Vicente atualizou
o seu discurso à luz da realidade, e muitas pessoas quiseram ajudar a família
necessitada. “O Santo compreendeu que não bastava a emoção do momento. Não
organizar é como abandonar” (p. 18). Daí nasce a Associação Internacional da
Caridade em 1617.
Outra vez Vicente é convidado a voltar
a Paris, porém este põe como condição poder exercer o ministério sacerdotal
itinerante. Tempo em que: conhece pessoas importantes em sua vida, dentre eles
Francisco de Sales; torna-se capelão das galeras; visita sua terra natal; é
nomeado “principal” do colégio dos Bons Enfants; e tempo também em que ficou
mais claro em sua cabeça, as “duas pobrezas” a fome de pão e a fome de Deus.
Assim, com a ajuda da senhora de Gondi, convida outros padres e funda, em 1625,
a Congregação da Missão, para fazer missão juntos aos camponeses.
Com o tempo a sede a Congregação
passou a ser em São Lázaro, onde se recebia clérigos para a formação e de onde
partiram missionários para vários lugares: Cidades Francesas (1633), Roma
(1642), Túnis, Argel, Irlanda e Escócia (entre 1645 e 1646) e Madagascar (1648).
O segredo para o sucesso das missões era “a convicção do Fundador de que tudo é
obra de Deus” (p. 49), ele defendia que os missionários assemelhassem-se a
Cristo nos pensamentos e nas obras, ensinando-lhes as cinco virtudes:
simplicidade, humildade, mansidão, mortificação e zelo - paixão pelo Evangelho.
No capítulo “A Caridade no
Feminino” o autor coloca que Francisco de Sales desejou escrever uma história
sobre a caridade, porém faleceu logo, ficando Vicente, que também não a
escreve, mas contribui para que esta se desse com as “Caridades” – já
mencionadas, e as “Filhas da Caridade”, porém para criar essa companhia, o
Santo precisou da ajuda de uma grande mulher: Luisa de Marillac, que por ser
filha ilegítima não conheceu o carinho na infância, desejou entrar para o
convento porém não a aceitaram, seu tio arrumou-lhe um casamento de onde lhe
veio um filho, seu marido morreu logo e seu filho não lhe deu prazer.
Luisa teve dois encontros
importantes que foram decisivos para seu protagonismo dentro da Igreja, uma
iluminação do Espírito Santo em 1623 e a acolhida de Vicente de Paulo como seu
confessor.
Foi visitando as Caridades que
Luisa percebeu que as senhoras já davam muito, porém não davam a vida. É quando
aparece na vida de Vicente e Luisa Margarida Naseau, que tinha sede de aprender
e ajudar aos pobres; os Santos viram nela uma inspiração para fundar a
Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Assim nasciam, em 1633,
as Filhas de Deus (SVP, IX, 77-79), que teriam como fim servir aos pobres doentes
corporal e espiritualmente; o ambiente desse serviço não é o claustro ou a
religião, mas o mundo. (p. 65). Por muitas vezes Vicente insistiu que as Filhas
da Caridade deveriam ter mais virtudes que as outras irmãs. (p. 67)
Vicente ganhava experiência e com
53 anos passou a colocar o serviço à Igreja, em primeiro lugar, colaborando
assim na reforma monástica; implantação de retiros pelos seminários e as
“Conferências das Terças-Feiras”; participação no “Conselho de Consciência” – instância
ética do Governo Francês da época, onde teve o descontentamento de trabalhar
com o cardeal Mazzarino. Fazer parte do Conselho não era para Vicente nenhum
motivo de vanglória. “Tornando poderoso, tornou-se a voz dos que não tem voz.” (p.
77).
No último terço de sua vida, sua
história cruza, com a história bélica da França. Espanhóis invadiram Corbie,
explode uma série de guerrilhas civis, guerra dos Trinta Anos, a Fronda, etc.,
houve fome, canibalismo... a morte chegou a ser um alívio, uma liberação.
Vicente sabendo que a guerra era por questões políticas foi a Richelieu e rogou:
“Dê-nos a paz e tenha piedade de nós, dê a paz à França” (p. 78). Paris estava
tranquila, mas as províncias destruindo-se. Vicente envia Missionários e até
Filhas da Caridade para ajudar as vítimas da guerra.
Os pobres eram seu peso e sua dor,
seu olhar se encontrava com os deles, não os queria manter na pobreza nem os
considerava meios para os ricos chegarem ao paraíso. Vicente via Jesus nos
pobres, não pensava esquecer o mundo para encontrar o Senhor.
Se na Idade Média viver a pobreza
era considerado quase uma bem-aventurança, depois de 1500, também pela
mendicidade na França, associava-os a imoralidade e perdição. São Vicente porém
quebrou os paradigmas atuando nos mais variados tipos de pobrezas, e teve
predileção pelos mais necessitados: os
doentes – os conhecia e os visitava; as crianças
abandonadas – expostas com as amas de leite junto a catedral de Notre-Dame,
ou deixadas nas ruas, já seja por motivo de pobreza ou por serem “filhos do
pecado” e os loucos assistindo-os em São
Lázaro, bem como enviando Irmãs ao hospício de Menages a cuidar daqueles a quem
considerava os mais inocentes dos prisioneiros.
Mesmo em sua época, a caridade e a
evangelização imprimida por ele não se restringiu ao território Francês ou a
Europa. Quis o bom Deus que o Santo enviasse missionários aos países: Túnis e
Argel, onde faziam apostolado entre os escravos de tais terras islâmicas. Os
relatos de perseguições e mortes, (como a do Pe. Tadeu Lee, CM, primeiro mártir
da Congregação da Missão), são fortes e fontes de fervor pela manutenção da
Igreja e da propagação do nome de Cristo nas diferentes missões: Norte africano,
Irlanda e norte da Inglaterra (Ilha Verde) e Madagascar (Ilha Vermelha).
As comunicações eram precárias, mas
se davam, e muitas vezes traziam mais ardor missionário como foi o caso das
correspondências com um bispo irlandês que descrevia os bons frutos que os
missionários vicentinos aportaram a sua diocese, esperando ele mesmo, o bispo,
salvar-se com a assistência de tão abençoados missionários, ou com as cartas
trocadas com a longínqua e “ceifante” missão malguache.
São Vicente apostou nos leigos;
quem se associava às “Caridades” eram chamados de servas e servos. Ele tinha um
ideal autêntico: “o homem se afirma quando serve, é grande quando se faz
pequeno, realiza-se quando faz crescer os outros”. (p. 113). Conta o autor que
com a ação dos leigos vicentinos houve na Igreja como a transfusão de um sangue
novo, seus trabalhos restituíam a credibilidade e o esplendor de glória
sufocados pelos 50 anos de guerras de religião ali acontecidas.
Baseando-se na parábola do bom samaritano
Vicente de Paulo subverteu a concepção que punha no alto os privilegiado e na
base os Pobres, estabelecendo o eixo direto: Cristo-Igreja-Pobres. Vendo a
realidade, compadecendo-se da mesma, e logo cuidado dessa, ou melhor,
respondendo-a com uma ação concreta. Arrematando com a verdade de que um
verdadeiro vicentino deve divulgar o compromisso pela caridade, sua ação não
pode ser um paliativo, mas uma intervenção sobre as causas da pobreza.
São Vicente era contemplativo na
ação, seu segredo era a vida espiritual que levava, confiava na divina
providência. A coerência entre seu pensamento e ação nasce exatamente da união
entre caridade e evangelho, mas nem por isso se sentia melhor que os demais,
chegando a definir-se como pior que um demônio, mas pela misericórdia de um Deus
que deixava as 99 ovelhas em busca da extraviada, sentia-se amado e queria
amar. “Seu zelo e paixão pelas almas o multiplicava” (p. 126), tanto que já na
velhice, uma vez declarou está disposto a ir as Índias ganhar almas para Deus.
Sua última palavra foi “Jesus”,
morrendo em 27 de setembro, sentado ao lado da lareira, “como se fosse partir
para uma longa viagem. Para a caridade, isto é, para Deus.” (p. 132)
Meditando sobre a vida do Santo,
colhemos dele um grande exemplo para nós. O caminho por ele trilhado o levou a
Cristo, seguindo no hoje suas pegadas, também nos aproximaremos do Mestre. Vemos
também que em sua época o pobre causava medo; não diferente da atualidade
quando muitos continuam associando a figura do pobre a doenças, a roubos e a
violências diversas. Naquele tempo Vicente convidou os seus, a Igreja e a
sociedade a “virarem a medalha”, também agora somos convidados a fazer o mesmo
e ver “com as luzes da fé que o Filho de Deus, que quis ser pobre, nos é
representado por esses Pobres”. (vi).
Referência:
MEZZADRI, Luigi . São
Vicente de Paulo e o Carisma da Caridade / tradução de Lauro Palú. –
Curitiba: Vicentina, 2004
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