Irmão Raimundo de Freitas Brito da Silva, CM
Foi-me
concedido a oportunidade de viver uma missão de férias em Lombe – Angola, tal
concessão foi dada e custeada pelo governo geral por intermédio do Pe. Nélio
Pita, conselheiro geral da Congregação da Missão para os países de língua
portuguesa. Assim, em uma visita à nossa Província (Província de Fortaleza da
Congregação da Missão), o referido conselheiro conversou com o Pe. Alexandre
sobre a situação um tanto delicada da missão em Lombe depois da morte do Pe.
Jorge Luis Rodriguez Baquero, CM, em um trágico acidente automobilístico. Neste
interim, Pe. Alexandre ofereceu-se para compor a equipe missionária em Lombe e
comentou sobre o meu interesse (Raimundo de Freitas Brito da Sila, CM) nas
missões internacionais, sobretudo no continente africano, o que gerou a ideia
de eu realizar o estágio acima citado.
Depois
do processo para tirar o visto, como também de algumas situações imprevistas,
no dia 23 de dezembro de 2024 consegui viajar para a cidade de Luanda, chegando
lá em 24 de dezembro de 2025, vésperas de natal. Na capital eu fique na casa
das Filhas da Caridade e participei das celebrações litúrgicas na igreja da
Sagrada Família, dirigida por uma comunidade redentorista.
Nos
dias que passei na capital pude comprovar uma convicção já trazida do Brasil, a
saber, que o continente africano não é apenas um lugar de terríveis misérias,
mas há boas estruturas na cidade, sobretudo na capital. No entanto, ao mesmo
tempo que se pode contemplar esplêndidas belezas arquitetônicas neste local,
fica mais evidente e se mostra incoerente a diferença abismal entre os ricos e
pobres. Enquanto há espaços privilegiados, outras pessoas estão acumuladas em lugares
precários (no sentido do saneamento, por exemplo) e em casas de barro.
Outra
questão notável da capital é que, tendo em vista que a guerra civil terminou no
ano de 2002, muito recente, o país ainda está se organizando em sua estrutura
política e social. Assim, o baixo valor do dinheiro, o modelo dos carros, mesmo
o modo das pessoas se vestirem lembram o Brasil nas décadas de 1960, 1970 ou 1980.
Todavia, diferente do processo histórico brasileiro, e isto foi muito
ressaltado pelo Pe. Alexandre Fonseca, nos lugares onde passamos percebemos um
índice baixíssimo de miscigenação com outros povos, sobretudo o português.
No
que diz respeito à Lombe, primeiramente cabe ressaltar a vida ad intra da
comunidade. A estrutura religiosa que lá se encontra é muito grande. Há um
complexo que compõe uma igreja no meio, uma escola em um dos lados, a casa das
irmãs Missionárias de São João Batista no outro, a habitação dos lazaristas
logo atrás da igreja, um salão nos fundos da casa e um campo de futebol com
mato alto. Tanto na casa das irmãs quanto na nossa se cultiva frutas, em
especial mangas.
As
relações entre os padres e a irmãs são de mútua ajuda, de fraternidade. A vida
comunitária de Lombe, nos dias que lá passei, pode ser descrita como exemplar. A
comunidade é composta pelo Pe. Suresh Praban Suluvayya, Pe. Rony Kannanaikkal e
Pe. Alexandre Fonseca, os dois primeiros da índia e o último do Brasil. Há
momentos de oração, caminhada, lazer. Existe sempre a preocupação uns pelos
outros e o respeito pelo espaço de cada um. Os indianos, especialmente, são
muito serviçais, sempre se preocupavam com o nosso bem-estar. Havia oração das
laudes na igreja, as vésperas eram na comunidade, almoços sempre muito
participativos e descontraídos, oportunidades programadas de lazer diário,
momentos de comemoração mais extensas, por exemplo, no meu aniversário que foi
dia 05 de janeiro.
No
que diz respeito a missão ad extra, pode-se perceber que há um grande
campo a ser explorado. Algo interessante é o contato com as pessoas. Ao sair de
casa é praticamente certo que se vai encontrar alguém nas imediações do
complexo da estrutura acima descrita. Em especial as crianças usam o espaço
para lazer. Há muita procura pela casa dos padres diante de algumas necessidades,
por exemplo, pessoas pedindo frutas, adultos, jovens e infantes. Nos dias de
segunda-feira há a distribuição de alimentos não perecíveis na frente da casa
da Congregação. É concedido certa quantidade de produtos. Percebe-se que as
pessoas que vão receber tais ajudas são adultos ou idosos bastante magros e aparentemente
muito necessitados.
Quando
se sai do terreno onde se encontra o complexo que habitam os missionários se
depara com uma rua com asfalto sempre muito movimentada. Na beirada dela há
algumas edificações de alvenaria como algumas casas, escolas, posto médico.
Atrás dessas construções encontram-se os bairros. São um aglomerado de casas de
barro (blocos grandes de barro que, ao que parece, não possuem estrutura de
madeira entre eles) com telhado de uma chapa de zinco fixada com pedras. Algumas
poucas casas neste meio são de blocos de concreto.
Mais
longe encontram-se as aldeias que são como os bairros descritos, mas distantes
do centro de Lombe. Em alguns espaços (chamados praças que são apenas um lugar
sem tanta diferença de outros, as vezes na beira das estradas) se pratica a
venda de produtos agrícolas como cana de açúcar, mandioca (que eles chamam de
bombô), milho, legumes, carvão e outros materiais. Percebe-se, em uma primeira
vista, que não há tanta saída de tais artigos, o que leva a conclusão que eles
fazem trocas entre si. Oferecem também esses frutos no ofertório da missa, além
de dinheiro.
A
alimentação tem como um dos principais componentes o fungi que é uma massa
produzida por meio do bombô. Outra comida é a quizaca, feita da folha da
mandioca. Pude observar também um grupo tirando o couro de uma cobra para o
consumo (mas esta alimentação, apesar de ocorrer, não é apreciada por grande
parte das pessoas e, pelo que se pôde perceber, é mesmo rejeitada). O que
parece que é mais geral na alimentação é o consumo de uma espécie de lagarta verde.
Algumas pessoas relataram também o preparo de gatos para a alimentação, mas,
mais uma vez, não é algo apreciado por todos.
O
modo de vestir é bastante humilde, é comum ver crianças (as vezes jovens) com
roupas rasgadas ou pequenas demais para o seu tamanho. As senhoras costumam
vestir-se principalmente com os panos típicos que usam a guisa de saia, de xale e de turbante na cabeça (algumas moças vestem-se de maneira parecida,
outras dizem que este modo de portar-se é para os mais velhos), também carregam
as crianças nas costas dentro do pano ou algum tipo de produto agrícola (seja
com os panos nas costas ou na cabeça). Os homens usam na missa roupas bastante
formais, alguns usam terno e gravata. Muitas dessas vestimentas são já desgastadas.
A
língua local da região é o Kimbundu, as pessoas utilizam-na no seu dia a dia,
cantam na liturgia da missa nesta língua e rezam também o terço. Alguns jovens
confessaram que têm vergonha da língua, consideram-na como própria de pessoas
incultas. Outros, porém, gostam dela, declarando publicamente.
As
vivências que se teve durante estes dias de estágio missionário foram formações
que se pôde dar para a juventude referente a diversos temas como, por exemplo, sobre
as Sagradas Escrituras, a busca pela santidade na juventude, o exemplo da
Virgem Maria, o ano jubilar da esperança. Pude participar da eucaristia nas
aldeias, como também caminhar dentro delas (aldeias). Consegui interagir com as
crianças no sentido de participar de brincadeiras delas, como futebol e visitei
algumas casas. Uma formação muito pedida, mas que, pelas circunstâncias de
tempo, não pôde ser realizada foi sobre o namoro cristão. Há jovens que possuem
uma autêntica preocupação com a gravidez da adolescência por parte de amigas e
conhecidas, pediram também esta orientação neste sentido. Houve a oportunidade
de falar sobre São Vicente e a vocação para um grupo de dez jovens, oito
meninos e duas meninas, eles pediram para me ouvir.
Pude
andar pelas aldeias e perceber um pouco do dia a dia das pessoas. É verdade que
a pobreza está presente naquele meio. Todavia, deve-se olhar com outros
critérios para uma justa avaliação do modo de viver dos indivíduos daquela
região, pois sua vida é pautada por um estilo tradicional, com muito contato
com a natureza e pouca preocupação com o acúmulo.
Um
dos grandes desafios que percebi para os missionários de Lombe é a doença. Há o
risco de se adquirir febre tifoide, mesmo com todo o cuidado que se tem no
manejo dos alimentos e com um consumo de água mineral. Há a presença de gripe,
que não é um problema tão grave. O que é de maior gravidade é a malária (lá
chamada de paludismo). Há sempre um grande risco de se adquirir tal mal. No
entanto, os tratamentos para esta doença são eficazes.
Algo
a se destacar é a forte crença geral nos feitiços. As pessoas lá estão
mergulhadas neste meio (acreditam piamente nos feiticeiros e bruxos). Deste
modo, as mortes, principalmente de jovens e crianças, são atribuídas a
feitiços. Há a crença de que o morto pode indicar quem colocou nele um feitiço
e as pessoas, segundo foi relatado, matam o indivíduo apontado. Há também um
costume de se culpar os mais velhos pela morte de um jovem ou de uma criança,
no sentido de dizer que eles (os mais velhos) deveriam ter morrido no lugar dos
mais jovens. Muitos se revoltam, agridem os anciãos e, às vezes, há a
necessidade de chamar a polícia para conter os confrontos.
Sobre
o modo de ser Igreja há uma forte tendência a se destacar e fazer valer as
hierarquias. O clero é tratado com muito respeito pelos leigos, há também
leigos que são catequistas (um líder de sua comunidade) e possuem influência
social nas aldeias. Os seminaristas da teologia são destacados dos demais,
tanto no modo de vestir (batina e sobrepeliz), quanto nas funções exercidas na
liturgia. A missa é celebrada com muita devoção, há muita atenção nos momentos
celebrativos, os cânticos são preparados com muito zelo, são de uma beleza
extraordinária. O povo canta em kimbundu, umbundu, português e latim.
Algumas
ideias que podem ajudar na missão da Congregação da Missão em Lombe: promover
uma escola de futebol e dança (são duas coisas que os jovens gostam muito em
Lombe), isto poderia ajudar na disciplina deles (jovens e crianças) e contribuir
para que não trilhassem caminhos de marginalização de suas vidas; visitas
frequentes nas casas das pessoas, eles se sentem felizes quando um missionário se
aproxima de maneira mesmo inesperada; abertura, quando possível, de um
seminário da Congregação da Missão na cidade de Malanje, pois há muitos jovens
interessados no carisma vicentino e não devem ser olhados com uma dura
desconfiança no sentido das intenções, devem ter suas vocações acreditadas e
incentivadas; o Pe. Suresh já dá aulas de inglês no seminário de Malanje e esta
prática da educação dos seminaristas poderia ser ampliada para que a
Congregação da Missão possa contribuir em inspirar nos padres diocesanos este
preocupação evangélica com os pobres; incentivo e auxílio na agricultura
através de ensino especializado de cultivo sem desprezar os métodos tradicionais.
O Pe. Marcos Gumiero, CM, (Congregação da Missão Província do Sul – Brasil) é
recordado como alguém que ajudou muito a agricultura local através do plantio de
árvores frutíferas. Tive a oportunidade de visitar o cultivo de um senhor que
afirmou ter aprendido com o referido sacerdote.
Por
fim, deseja-se agradecer a Cúria Geral da Congregação da Missão por tão bela
oportunidade de vivência missionária na pessoa do superior geral Pe. Tomaž
Mavrič, CM. Ao Pe. Nélio Pita por ter organizado e sonhado também com este
estágio, ao Pe. Alexandre por me incluir neste projeto, ao Pe. Suresh e Pe.
Rony pela fraterna convivência e aos meus superiores locais pelo incentivo e
permissão. O sentimento que permanece é o de São Vicente de Paulo ao entrar em Paris
depois das missões quando relata que pareciam que os portões iriam cair por sua
cabeça, pois por mais que tivesse ajudado muitos pobres, outros pobres haviam
ficado para traz.